O ‘Jornalismo Negativo’ de Cora Rónai

Carlos Frederico Gurgel Calvet da Silveira

Presidente do Centro Dom Vital

Filósofos e teólogos neoplatônicos distinguiam, há quase dois milênios, quanto ao conhecimento de Deus, uma via negativa e uma positiva; chamavam-nas respectivamente via apofática e catafática. A primeira, assumindo a insuficiência de todo e qualquer predicado retirado do mundo para definir Deus, avançaria no seu conhecimento pela negação: Deus não é finito, Deus não é mutável, Deus não é corpóreo. A segunda buscaria, no mundo ou na revelação, aquilo que pode, ainda que limitadamente, manifestar algum aspecto do divino sem, contudo, esgotá-lo: Deus é fonte e essência de todo ser, Deus é amor, Deus é verdade acima de todas as verdades. No Ocidente e no Oriente cristãos, o destino desta distinção filosófica foi decididamente feliz, pois sagrou o reconhecimento de que, em relação a Deus, nosso conhecimento é precário e, portanto, a via negativa seria a mais correta para a teologia, pois preservaria o mistério divino. A via positiva, neste sentido, seria mais bem aplicada a conhecimentos particulares dos quais podemos fazer ciência no sentido mais moderno do termo. Aliás, a ciência em geral é chamada de positiva justamente porque atinge seu objeto com evidência necessária. Do mesmo modo, todo conhecimento de fatos insere-se nesta positividade do conhecimento humano que pode prescindir dos critérios dos atributos negativos, assim também o jornalismo.

Nesta manhã, fomos surpreendidos, uma vez mais, por matéria que aparece no Globo. Autoria de Cora Rónai. Na verdade, trata-se de mero parágrafo do artigo que abrange vários temas sob o título apelativo “Dias Horríveis”. Esse curtíssimo parágrafo volta à discussão do início da semana a respeito do parecer da Arquidiocese do Rio sobre um filme de José Padilha. Cora Rónai, que não creio desconheça a legislação brasileira a respeito do tema da liberdade religiosa, que proíbe “ultraje a ato ou objeto de culto religioso” (Art. 208 do código penal),  achincalha a Arquidiocese com os adjetivos “retrógrada” e “obscurantista”, e repito, num parágrafo mínimo, onde não aparecem novos argumentos da jornalista, que, no máximo, se limita a apoiar ideias de terceiros.

O problema em questão envolve no mínimo dois direitos dos cristãos, no caso, de modo especial, dos católicos, liderados pela Arquidiocese do Rio de Janeiro: o direito fundamental garantido pela Constituição, que é o respeito às imagens, ao culto de toda e qualquer religião, e este é o direito essencial; e o direito específico, acidental, sobre a imagem do Cristo Redentor, e, por este último, a Arquidiocese foi legitimamente consultada pelos produtores do filme. Portanto, mesmo que a Arquidiocese não tivesse direitos sobre a imagem, o direito constitucional continuaria valendo. Indicar o acidental pelo essencial é sofisma crasso e, por conseguinte, não colabora para o esclarecimento da questão.

Além de tudo, o Direito baseia-se na racionalidade. Por conseguinte, quando a Arquidiocese expõe claramente seus argumentos, baseado na ciência positiva do direito e nos fatos, que são igualmente positivos, não há nada de obscuro aqui. Quem parece ter optado por obscurecer os dados foram os produtores, o diretor e um ou outro ator do filme, que em infeliz matéria da terça-feira, na capa do Segundo Caderno do mesmo Jornal, lançaram gritos e acusações infantis, irracionais, porque contra o Direito, sobre o procedimento da instituição católica. Por que a produtora e o diretor José Padilha decidiram não revelar o conteúdo das cenas? Optou-se também aqui pela preservação do mistério. E onde está o jornalismo positivo esclarecedor, que não buscou até agora entender se o conteúdo das cenas fere ou não a fé cristã? Como poderia a Arquidiocese dar seu aval a cenas que “vilipendiam” a fé cristã?  Os argumentos de abalizados autores que apareceram ontem no próprio Globo foram ignorados por Cora Rónai, ou ela não os leu? Trata-se das respostas dos ilustres professores, o Pe. Jesus Hortal, teólogo e jurista, e a Dra. Maria Clara Bingemer, teóloga.

Eis o jornalismo negativo que nada acrescenta à informação dos leitores, não traz fato algum, e pretende somente dizer o que não é. Então, onde está o obscurantismo? Onde está o retrocesso? O jornalismo não pode usar o método negativo, que se pode bem aplicar às regiões do mistério com que lida a teologia. O abuso do termo de obscurantismo, especialmente quando dirigido à religião, redundou em evidente banalização. Ironicamente estabeleceu-se sobre o tema uma zona obscura de comunicação. Trata-se, como diz Heidegger, da “incompreensão da trivialidade”. Paulo Rónai, em seu imponente Dicionário Universal de Citações, da Nova Fronteira, cita interessante frase de Jules Janin sobre o jornalismo: “O jornalismo leva a tudo – com a condição de se sair dele”. Sugerimos uma interpretação otimista desta passagem do famoso crítico francês: os bons leitores contam com que os jornalistas dos bons jornais estudem, estudem sempre, para que, ao saírem de seu cotidiano, estes mesmos jornalistas lhes possam oferecer uma reflexão adequada aos fatos que apresentam, quando desejarem julgar os fatos.

Em tempo, não se entende por que “Dias horríveis” termina, em contradição com o título, com a informação de que Araquari, em Santa Catarina, “dá exemplo de como se comporta uma comunidade comprometida com a sorte dos animais de rua”: abatimento no IPTU para os que adotarem animais de rua.

10 de julho de 2014

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3 respostas

  1. Mais um episódio em que se utiliza vocabulário desconhecido pelos acusadores. Está de parabéns a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro. E também de parabéns meu sempre mestre Carlos Frederico, pela clareza de raciocínio e pelos ensinamentos constantemente compartilhados. No obscurantismo estão aqueles que buscam impor seu pensamento. E isso vejo crescente a cada dia entre os jornalistas tendenciosos.

  2. O Obscurantismo está no próprio jornalismo negativo, que manipula o povo sem o menor caráter .
    Parabéns a Arquidiocese do Rio de Janeiro que luta pelo respeito aos cristãos.

    1. A Citizen Go está promovendo uma petição de agradecimento a Dom Orani João Tempesta, pela atitude corajosa de não ceder às pressões dos poderosos da mídia e do mundo artístico no que concerne ao respeito à fé de milhões de pessoas do Rio de Janeiro. Se você também se sente agradecido ao arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro, assine a petição nesse link. Abaixo o texto de agradecimento e um resumo da história.

      http://humanitatis.net/clipping/parabens-arquidiocese-do-rio-de-janeiro

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