Salmo Amigo: Frei Betto, a nova voz do Coro

Carlos Frederico Gurgel Calvet da Silveira

Presidente do Centro Dom Vital

O Globo de hoje já não nos surpreende, passadas duas semanas de matérias que versam sobre tudo e qualquer coisa, incluindo doutrinas teológicas imprecisas e incorretas, para opinar contra o parecer da Arquidiocese sobre o filme “Inútil Paisagem”, chegou a vez da “exegese” ou da teologia de Frei Betto. Trata-se duma hermenêutica que usa os salmos fora de contexto.

Vale a pena lembrar que o filósofo holandês, Baruch de Spinoza, no século XVII, escreveu uma das obras mais críticas à Sagrada Escritura, o Tratado Teológico-Político, onde defendia a necessidade de ler a Escritura no seu contexto. De lá para cá, não há grandes exegetas, nem os exegetas cristãos nem judeus, que neguem este princípio estabelecido no capítulo VII da obra citada. É verdade que outros mestres da Escritura, de um modo ou de outro, defenderam algo análogo, como o judeu Maimônides, na Guia dos Perplexos, e o próprio Tomás de Aquino na Suma Teológica. Assim, Maimônides negou a leitura antropomórfica da Escritura e o próprio Tomás seguiu esse caminho.

Fora de contexto, foi outra história narrada pelo dominicano Frei Betto acerca de seu encontro com o papa Francisco na Praça de São Pedro. Algo absolutamente casual numa audiência geral que o brasileiro valoriza como se fosse uma audiência privada. Segundo o frade brasileiro, o papa teria ouvido seu clamor de absolver outros dominicanos, entre eles, Giordano Bruno, do século XVI, condenado à época. O suposto diálogo, que se inicia com os conselhos do frade ao papa Francisco, aparece relatado pelo próprio Frei Betto no Globo do dia 10 de abril passado:

— Como pai amoroso, dialogue sempre com a Teologia da Libertação, que é uma filha fiel à Igreja. E tenha sempre presente a defesa dos povos indígenas.

Assediado por tanta gente que o rodeava, o Papa continuou atento. Completei:

— Como frade dominicano, ponho em suas mãos a reabilitação de Giordano Bruno e Mestre Eckhart.

……………………………………………………………………………………

Francisco reagiu à minha solicitação:

— Ore por isso.

Ao final, me dirigi a ele, primeiro em latim, e logo traduzi para o espanhol:

— Extra pauperes nulla salus. Fora dos pobres não há salvação.

Francisco sorriu:

— Estou de acordo — disse ao se afastar.

O artigo de Frei Betto pode ser lido em sua íntegra e contexto neste endereço: http://oglobo.globo.com/sociedade/encontro-com-francisco-12147699. O porta-voz da Santa Sé, Frederico Lombardi, apressou-se em esclarecer a informação fora do contexto exato:

Ao contrário do publicado ontem, 10 de abril, por alguns meios de comunicação, não houve audiência em Santa Marta do Papa Francisco com Frei Betto mas, como de costume, no final da audiência de quarta-feira com os fiéis, apenas um breve encontro no adro da Praça de São Pedro, durante o qual o Pontífice se limitou a escutá-lo e saudá-lo.

No Globo de hoje, Frei Betto reincide em apresentar ideias ou fatos fora de contexto. Desta vez, sua descontextualização está a serviço da defesa do uso da imagem do Cristo Redentor no filme de José Padilha, contra o parecer da Arquidiocese do Rio. Chega a citar em defesa de suas opiniões o papa Bento XVI!, de quem fora crítico pertinaz e a quem chamara de “cabo eleitoral de forças conservadoras”.

O mais grave, contudo, é a descontextualização dos Salmos, oração milenar cotidiana da tradição litúrgica judaica e cristã. Referindo-se a um gênero de salmo de lamento, atribui à cena polêmica do filme citado, a mesma atitude orante do salmista. É verdade, que os salmos também são por vezes orações de revolta e, por isso mesmo, de consolo. Contudo, o lamento, neste caso, insere-se em contexto orante. Trata-se duma oração de bênção, uma “berakhah”, como se diz em hebraico. Podemos abençoar até nossas revoltas, nossas dores, nossos pecados. O mesmo que fez Bento XVI em Auschwitz, ao adaptar a passagem do Salmo 22, 2, citada por Jesus, conforme o Evangelho de Marcos (15, 34): “Por que, Senhor, permaneceste em silêncio?”. Tudo isto está no contexto da oração. Ou melhor, a vida é transformada em oração, é consagrada a Deus, a cada momento, a cada atividade. Visa-se a uma consagração integral e, por isso mesmo, o salmo inclui esses momentos de crise que fazem parte do cotidiano de cada um de nós. Não parece que seja este o contexto do filme.

Há, entretanto, uma boa notícia no artigo de Frei Betto, chamado de “O Salmo de Wagner Moura”. Fica-se sabendo, com alegria, que o ator e outras personalidades do meio artístico e jornalístico participam de encontros de oração e meditação em companhia de Frei Betto. Infelizmente, porém, muitos artistas e jornalistas têm, nestas duas semanas, criticado erroneamente a atitude da Arquidiocese, com acusações preconceituosas e incorretas com a fé cristã, como foi o caso de Arnaldo Bloch e de Cora Rónai, na semana passada, além dos próprios envolvidos no filme.

Frei Betto faz-lhes coro. A esta altura, não sabemos mais se o artigo de Frei Betto é “fogo amigo”. Betto confessa-se homem de Igreja, mas não é da oração dos salmos cantados no coro dos dominicanos há oito séculos de que Frei Betto participa, mas do coro dos que têm voz na mídia, do coro das frases e ideias que agradam e fazem sucesso, dos clichês, numa mídia que cotidianamente denigre a Igreja. Somente O Globo já publicou, em duas semanas, quatro ou cinco matérias integrais contra a Arquidiocese! Não há artigos em sua defesa, a não ser pequenas participações, em parte dessas matérias, de um ou outro teólogo. É um coro de massificação, que já ouvimos tantas vezes, ao qual tenta se afinar Frei Betto, sem sequer nos fazer lembrar das melodias de seu Convento.

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2 respostas

  1. Não sei como este cidadão Betto ainda se permite a ser interlocutor da Igreja. Espero que não esteja faltando autoridade.

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