Nihil Novum sub sole: “Cristo não é o Cristo” segundo Tony Bellotto

Carlos Frederico Gurgel Calvet da Silveira

Presidente do Centro Dom Vital

Diurnarius diurnarium fricat. Permitam-me começar com dois provérbios em Latim. Espero que o que inicia este parágrafo se clarifique até o final desta matéria; o que lhe dá título é bem conhecido de todos: nada novo sob o Sol. Com efeito, a matéria de Tony Bellotto no Globo de hoje está nesta precária situação. Contudo, parece que o grande jornal carioca vê as coisas de modo diferente: que ainda consegue tirar leite de pedra. Pelas minhas contas, a matéria de hoje sobre o Cristo Redentor do Corcovado é a sexta, em duas semanas, escrita por quem desconhece a doutrina cristã e pontifica não somente sobre a liberdade de expressão e de criação, mas também sobre o conteúdo da fé.

O título da matéria de Bellotto é de tal obviedade que não se sabe mais qual é o Cristo que não é o Cristo: é o Redentor do Corcovado que não é o Cristo bíblico (sic!) ou, o Cristo bíblico que não é o Cristo Redentor do Corcovado? O pior é que qualquer resposta vale, pois todos já notaram que o título não tem sentido. Simplesmente porque é pretensioso, não tem estilo. Está mal escrito.

Indico aqui algumas expressões que são o “leite fresco” de Bellotto. 1) “O veto é um atentado à Liberdade”, com maiúscula, aquela liberdade com “L” proclamada por Arnaldo Bloch; 2) “Nada mais anticarioca do que a falta de humor”, parece que tirou isto da boca dos turistas que visitaram o Rio nas últimas semanas ou, ao menos, das reportagens que se reproduziram exaustivamente na mídia; 3) “… desinteligência e intolerância dos clérigos responsáveis por esse veto”, uma elegância desnecessária de Bellotto, mas que se completa abaixo, ao refletir sobre a formação do clero: 4) “de que adiantaram todos aqueles anos no seminário…?”; 5) “Um Estado laico não pode permitir que uma religião detenha os direitos de um monumento público tão importante…”, refere-se a um Estado de Direito? Sim, é a democracia que defende a liberdade de expressão e a liberdade religiosa, que inclui a proteção do culto e de seus símbolos, acidentalmente ligados no caso ao direito de imagem sobre a estátua do Cristo, ou Bellotto está propondo a supressão de algum direito? 6) “… O Cristo Redentor não é o Jesus Cristo da Bíblia”, de novo o mesmo problema, pois ou o autor se refere ao Cristo Redentor do Corcovado ou está fazendo nova teologia ao dizer que o Cristo do Evangelho não é o Redentor; a citação que se segue é um pouco mais longa, serve para percebermos o sentido poético de nosso autor, de tendência barroca, aliás: 7) “O Cristo bíblico é uma figura geralmente representada pela imagem de um homem agonizante pregado a uma cruz, com chagas, feridas sangrentas e outras marcas de tortura espalhadas pelo corpo descarnado, cuja face encovada e olhos cerrados sombreados por uma coroa de espinhos indicam uma assustadora iminência do rigor mortis, a rigidez do corpo que ocorre horas após a morte. As imagens do Cristo crucificado impressionam pela violência e morbidez.” Ora, a pessoa do Redentor não é exatamente o Cristo Ressuscitado do Evangelho? E esta verdade evangélica não foi a Igreja que a transmitiu por dois mil anos e que foi a base espiritual dos valores brasileiros e para a estátua que domina a Cidade do Rio? A novidade do Cristianismo é justamente o Cristo Ressuscitado, que morreu, sim, mas venceu a morte por todos nós.

Há muitas passagens infelizes no artigo “Cristo não é o Cristo”. Contudo, em homenagem ao nome do autor, fico com oito belas citações; a última aparece em destaque no próprio Jornal: 8) “O Cristo carioca personifica um homem ereto, simpático, plácido e saudável, em cujo rosto se pode perceber um sorriso sutil.” Parece poesia.

A segunda metade do artigo (esta era a primeira metade!) é ainda mais pueril. O autor continua a trazer novidades: a simpatia do carioca, as mazelas do Rio, o Cristo de braços abertos, citações bíblicas raivosas, a parte mais famosa da história da construção do Cristo do Corcovado, o Cristo Redentor de todos etc.

Bertrand Russell, um dos mais prolíficos escritores ingleses do século XX, que escreveu obras de peso na área da Lógica, perdeu-se em escritos de segunda categoria, às vezes, obras manuais e panfletárias. E é de um panfleto que Bellotto toma a citação do pensador inglês para o fechamento de seu artigo. Prêmio Nobel, Russell era ateu e não fez juízo isento a respeito do Cristianismo. Contudo, suas ideias servem de chave para interpretação geral do texto de Bellotto: a crítica infundada ao Cristianismo em nome dos Direitos humanos perpetrada pelo inglês, e por companheiros como Sartre, constituía-se num ativismo anticristão que, passadas as décadas pode ser entendida como uma busca de supressão da liberdade religiosa. Bellotto repete o que ouviu aqui e acolá. Diante de todas as vozes que ouvimos nestas últimas semanas, proponho esta paráfrase a partir de outro provérbio latino: Diurnarius diurnarium fricat: um jornalista afaga outro (A propósito, “diurnarius”, jornalista, é termo novo, da atualização do vocabulário latino para a nossa época, conforme o Lexicon Recentis Latinitatis, Vaticano, 2004). Bellotto parece não encontrar nada novo sobre o assunto desde Bertrand Russell e do que escreveram seus colegas do Globo recentemente. Até a Igreja Católica a que se refere pertence à época que seus avós, que, conhecedores da Bíblia e do Latim, diziam: “Nada novo sob o sol”.

Ora, os grandes pensadores em atividade no mundo de hoje estão conscientes de que a luta pelos direitos inclui a luta pela liberdade religiosa. Recomendo, de modo especial, as obras do filósofo canadense Charles Taylor, que esteve no Brasil, no ano passado, para discutir temas relativos ao processo de secularização das nossas sociedades. É neste patamar do Direito que se deve situar o debate. O Estado laico numa sociedade democrática não somente respeita, mas preserva as tradições e as diferenças religiosas da nação.

O leitor una seus sofrimentos às chagas do Cristo Redentor do Evangelho e leia o artigo de Tony Bellotto para julgar o que aqui escrevi. Verá que não fui severo com o músico. E aqueles que, além disto, puderem ver a estátua do Cristo Redentor do Corcovado, vejam-na como antecipação do Paraíso (imagino que certos bairros do subúrbio do Rio estejam para lá do inferno, dado que, consoante Bellotto, até da mansão dos condenados se pode ver a digna estátua). Há no ar certa melancolia inacabada: um adulto na puerícia. Bellotto em semitom.

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3 respostas

  1. Ilmo. Carlos Frederico Gurgel Calvet da Silveira,

    Estava preparando um texto para encaminhar ao e-mail do segundo caderno do jornal O Globo, com relação ao esdrúxulo texto do pseudo escritor, o Sr. Tony Belloto, mas após ler o texto escrito pelo Sr., a minha alma ficou mais que satisfeita, pois, por mais que eu tentasse, mesmo desejando escrever um belo texto, a essência não seria tão brilhante quanto a colocada no seu texto.
    Gostaria de parabenizar-lo também pelo texto escrito no jornal “Testemunho de Fé”.
    Parabéns!

  2. É realmente uma pena que a “liberdade” destas pessoas lhes dê o direito de ofender a nossa religiosidade, são tempos realmente difíceis. Que confusão de informações este senhor (Tony Bellotto) está fazendo, o Cristo é um só mesmo que exposto a uma referência temática, e esta mesmo que seja a atenção da reflexão no momento nunca exclui as demais possibilidades, ou poderia se falar do Cristo sem entendê-lo como redentor, ou aquele que morreu na cruz, ou o ressuscitado, etc. É cada coisa que surge nesse mundo, nestes tempos, nestes meios e comunicação que dá vontade de simplesmente desligar os televisores e procurar apenas os meios católicos de comunicação.

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Associação de leigos católicos, dedicada, desde 1922, à difusão da fé e à evangelização da cultura no Brasil: revista A Ordem, palestras, cursos, etc.