julho 23, 2014

Domínio da Opinião Publicada

Robson de Oliveira Silva Membro do Centro Dom Vital   Uma das características da ciência é sua tenacidade: quando uma pergunta é mal respondida, ela retorna persistentemente. O tema do Cristo Redentor do Corcovado já rendeu artigos em jornais e até reflexões (a)críticas de atalaias da imprensa, mas a pergunta continua na mesa. O ponto comum entre os comentaristas do episódio é a insistência em não dar voz ao contraditório no debate. A profusão de textos e comentários tenta dar a impressão de que a sociedade civil está em unânime desacordo com a primeira decisão da Arquidiocese do Rio de Janeiro, detentora dos direitos sobre a imagem da escultura. Mais: os que leem o jornal ou ouvem as sentinelas podem imaginar que há uma irreconciliável disputa entre os legítimos direitos da sociedade civil e as atividades civis dos cidadãos religiosos. A se dar ouvidos a Belloto, Boch, Rónai et caterva, a sociedade laica é aquela que não só ignora as demandas, mas a que impõe restrições cada vez maiores às atividades dos cidadãos e das organizações religiosas de qualquer credo. Deixemos que alguém isento, a quem não se pode acusar impunemente de “piegas” (como o ateu Jürgen Habermas), desfaça esse sofisma. Após algumas décadas de estudos sobre sociedade e religião, o pensador alemão discorda dos brilhantes e gabaritados articulistas e comentaristas, que pretendem submeter os cidadãos religiosos às suas opiniões publicadas nos jornais. Se pudessem – como o evento demonstrou – até a Constituição Federal seria ignorada em nome de suas preferências. Habermas, pelo contrário, afirma que: A neutralidade ideológica do poder do Estado que garante as mesmas liberdades éticas a todos os cidadãos é incompatível com a generalização política de uma visão do mundo secularizada. Em seu papel de cidadãos do Estado, os cidadãos secularizados não podem nem contestar em princípio o potencial de verdade das visões religiosas do mundo, nem negar aos concidadãos religiosos o direito de contribuir para os debates públicos servindo-se de uma linguagem religiosa[1]. A correta e justa laicidade do estado não significa a supressão do discurso e do direito à opinião nos assuntos públicos dos cidadãos religiosos e de suas organizações. Antes, significa que nem um lado deve impor pela força sua perspectiva sobre o outro, mas se incentiva a liberdade de expressão e o diálogo entre as partes. Para arrepio dos articulistas e vigias da imprensa, não vem do arcebispo ou da cúria do Rio de Janeiro, mas é o próprio Habermas quem alerta que “a filosofia[2] tem também motivos para se manter disposta a aprender com as tradições religiosas”[3]. O lastimável massacre da liberdade de se crer, testemunhada nas últimas semanas, nada tem a ver com democracia, nem com liberdade, muito menos com bom jornalismo. E isso independe do fim equivocado do episódio. Ainda que a Arquidiocese mantivesse sua primeira decisão, o evento seria um ponto cinza na história do jornalismo carioca. Trata-se da decisão vergonhosa de não permitir o contraditório, de amordaçar o diferente. Se ouvir os argumentos contrários não bastasse para mudar a posição dos debatedores, ao menos poderia dar aos leitores e ouvintes uma ideia mais clara dos temas que estão em jogo; e se nem isso fosse alcançado no diálogo, ao menos daria a possibilidade de defesa aos réus da opinião jornalística publicada. O que se viu nesses dias foi o desfile de opiniões sobre e a despeito do que a ciência sociológica mais abalizada preconiza. Tudo isso seguido da decisão de ceder à pressão dos jornais. Mas adivinha: a pergunta ainda está em cima da mesa. [1]HABERMAS, Jürgen; RATZINGER, Joseph. Dialética da secularização: sobre razão e religião. Aparecida: Ideias e Letras, 2007, p. 57. [2] [ou a racionalidade laica – comentário nosso] [3]HABERMAS, Jürgen; RATZINGER, Joseph. Dialética da secularização: sobre razão e religião. Aparecida: Ideias e Letras, 2007, p. 47.

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