dezembro 26, 2014

Êxodo? Deuses e Reis

Êxodo? Deuses e Reis: A Caricatura de Scott Carlos Frederico Gurgel Calvet da Silveira Presidente do Centro Dom Vital Thiago Cabrera Membro do Centro Dom Vital   A longa tradição de filmes bíblicos, assim como o conhecimento amplamente difundido da figura de Moisés, não permite que atribuamos as falhas de roteiro do novo filme de Ridley Scott, segundo argumento corriqueiro, à ignorância religiosa. Trata-se de algo mais: uma opção racionalista com finalidade política. Este mais, contudo, é um menos. Comecemos, pois, pelo que falta: da ambientação aos personagens principais. Vamos, pois, ao setting. Deixando de lado toda a beleza das regiões da Andaluzia, onde o filme foi rodado, o diretor opta pelo lúgubre. Acerta em escolher vielas e cubículos para construir uma atmosfera que corrobore sua linha de pensamento centrada na ideia da luta dos hebreus como luta meramente política, com táticas de guerrilha ou de terror. Portanto, a ênfase recai nas agruras físicas, no sofrimento material, no ambiente inóspito, na sujeira, na poeira. Christian Bale está no papel principal. Seu antagonista, Ramsés, é interpretado por Joel Edgerton. O primeiro até convence do ponto de vista da caracterização física do personagem, contudo, nada representa da psicologia ou da espiritualidade do grande patriarca. A razão da descaraterização espiritual do personagem está no roteiro: o ator não tinha muito que fazer. Ramsés não passa de caricatura, personagem raso, sem nuanças, primitivo e, certamente não representa o grande líder egípcio. Os coadjuvantes, em geral, conseguem desenvolver melhor seus personagens, justamente porque não estão no foco dos roteiristas. Menção especial a Ben Kingsley e a John Turturro. Os personagens. Falta uma ideia clara sobre a figura de Moisés. O líder hebreu, como já foi observado pela crítica especializada, no momento decisivo de sua vida, não passa de um chefe guerrilheiro. Seu enfrentamento com Ramsés II, um mero problema de ressentimento familiar. A racionalização das intervenções divinas em favor de seu povo, como as pragas e, sobretudo, a passagem a pé enxuto pelo Mar Vermelho, proporcionam um naturalismo estéril cujo mérito está em sequestrar a sensibilidade do espectador. O povo hebreu, que algum protagonismo haveria de ter num filme que trata de sua libertação, desaparece nos logaritmos dos efeitos computacionais que fracassam, como de costume, na busca de compensar a pobreza dramática. Extenuados estamos dos exércitos binários, desses espectros tecnológicos deslocados, especialmente em filmes de época. Diferentemente do que deveria ser o retrato dessa figura histórica, o patriarca, símbolo da libertação espiritual da humanidade, Scott concede à mentalidade corrente da desconstrução dos heróis e dos símbolos para favorecer não se sabe bem o quê. O parágrafo conclusivo do estudo de Gregório de Nissa sobre a vida de Moisés oferece-nos um bom contraste com o que podemos ver na caricatura de Scott. Merece ser citado integralmente para a nossa meditação: “Portanto, como nosso propósito era saber em que consiste a perfeição da conduta virtuosa, creio, pelo que dissemos até aqui, que descobrimos esta perfeição. É hora de que te voltes, homem generoso, para o modelo, e transportes para a tua própria vida aquilo que a contemplação espiritual dos acontecimentos históricos nos mostrou: de ser reconhecido por Deus como seu amigo e de realmente o ser. Porque aí está realmente a perfeição, não mais de abandonar a vida de pecado por temor do castigo à maneira dos escravos, nem de realizar o bem na esperança de recompensas, traficando com a vida virtuosa numa mentalidade interesseira e calculista, mas, olhando mais alto que todos os bens que nos são reservados na esperança segundo as promessas, de não temer senão isto: de perder a amizade divina e de não estimar senão o que é honrável e amável, de tornar-se amigo de Deus, o que é, para mim, a perfeição da vida. Se isto for conquistado por ti – e o será abundantemente, eu o sei -, teu espírito, elevando-se ao que é verdadeiramente grande e divino, o ganho disso será para todos, no Cristo Jesus. Amém”. Eis aí algo novo, embora patrimônio da cultura cristã antiga, que poderia trazer alguma luz à figura sombria de Moisés retratada no filme em pauta. Outro personagem que merece menção pela carência de sentido, é o próprio Deus, que se manifesta como uma criança mal-educada, prepotente e age com arbitrariedade. Moisés e Deus lutam entre si como crianças, quase uma birra. Injustificável a materialização de um Deus que nem seu nome deixa pronunciar.      

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