Anna Maria Moog Rodrigues Membro do Centro Dom Vital Foi-me encomendado um estudo sobre a antropologia de Karol Woytila, o Papa João Paulo II, de tão saudosa memória. Considerei que para falar da antropologia de Woityla e o que nela há de inovador, seria preciso remontar ao próprio conceito de pessoa e de como este conceito apareceu e evoluiu através da história. Naturalmente, a temática requereria livros e livros e a apresentação oral requereria alguns cursos. Mas, não esmorecendo da tarefa, tive a enorme pretensão de apresentar o que coube do tema no espaço exíguo de algumas páginas. Para tanto, dividi o tema da seguinte forma: O homem no pensamento da antiguidade clássica e na Idade Media O conceito de pessoa A problemática do pensamento moderno Kant A fenomenologia A Antropologia de Karol Wojtyla 1. A pergunta acerca do que seja o homem não é a que primeiro se apresenta ao espírito humano. No começo dos tempos, a preocupação dos homens voltava-se para a natureza. Mas, já na Grécia, Sócrates iria reconhecer que nenhum tipo de conhecimento seria superior ao que o homem pudesse ter dele mesmo. Tal conhecimento, entretanto, não lhe pareceria ser fácil de adquirir; daí que seu ensinamento visasse, indiretamente, levar o interlocutor a tentar compreender o que deveria ser o comportamento do homem virtuoso. Para conhecer o homem, Sócrates pretendia saber como o homem deveria agir. Depois de Sócrates, Platão mudaria de plano. Passaria do plano da introspecção subjetiva para o da objetividade metafísica. Para Platão, o homem estaria dividido entre dois mundos, o mundo da matéria, do corpo e o mundo das idéias, o mundo ideal. Assim, o homem estaria sempre em estado de tensão, atraído para o mundo das idéias pelo espírito, pela alma, mas preso ao mundo da matéria pelos sentidos, pelas sensações do corpo. Aristóteles, no mesmo plano, o da metafísica, tentaria reconciliar o homem consigo mesmo, reconciliando-o com seu próprio corpo. O homem, para Aristóteles, seria matéria e forma, a matéria sendo o corpo, cuja forma humana seria dada pela alma, princípio de vida. Sendo princípio de vida, todos os seres vivos, inclusive todos os animais e plantas também teriam alma. Enquanto integrante do universo, o homem seria um indivíduo de uma espécie, a espécie dos animais racionais. Distinguir-se-ia dos demais entes naturais apenas pela característica da racionalidade. A finalidade do homem, similarmente à dos demais entes naturais, haveria de ser a de realizar-se em todas as suas peculiares potencialidades. No caso do homem, esta realização seria o alcance da plenitude do seu desenvolvimento racional. E nisto consistiria sua virtude e sua felicidade Sto. Agostinho, no apagar da civilização antiga, acrescentou à compreensão do homem a característica do livre arbítrio, reconhecendo-lhe a dignidade de quem tem o poder de decidir o próprio destino. Esta dignidade foi a grande contribuição trazida pelo cristianismo, pois, para os antigos, o destino de cada homem estaria traçado à sua revelia. Oito séculos depois, no apogeu da Idade Média, Sto. Tomás de Aquino adotou de Aristóteles a conceituação metafísica segundo a qual o homem seria constituído de uma matéria, o corpo, princípio de individuação, e de uma forma, a forma humana, comum a toda a humanidade. Não obstante, a forma humana, isto é, a forma de um ser humano, seria dada a cada homem individualmente, a alma imortal criada por Deus para cada um, criada à imagem e semelhança Dele. A partir desta nova compreensão, a plenitude da felicidade do homem não seria mais alcançada apenas pelo exercício da racionalidade, pela realização da finalidade do homem, tal como era entendida por Aristóteles, mas pela realização da vontade livre do homem quando iluminada pela reta razão. Em conformidade com a natureza da alma criada por Deus, a plenitude da felicidade somente se realizaria quando fosse realizada a finalidade para a qual cada alma havia sido criada, isto é, na visão Beatífica, na comunhão com o próprio Deus e na Sua contemplação. Não obstante, nem Sto. Agostinho nem Sto. Tomás estavam preocupados com questões de pura filosofia, mas sim com questões teológicas. Queriam, entretanto, traduzir a mensagem de Cristo de forma a que fosse familiar às mentes ocidentais, habituadas à linguagem da filosofia clássica. Ainda assim, desta nova acepção de homem, um homem dotado de livre-arbítrio, emerge o conceito filosófico de pessoa, inspirado nos grandes debates acerca da Santíssima Trindade: a pessoa é caracterizada pela capacidade de volver-se sobre si mesma. A pessoa tem consciência de si, é capaz de se auto-determinar, de livremente dispor de si mesma, de livremente doar-se. 2. O conceito de pessoa não se confunde com o de indivíduo. Este é comum a todos os entes materiais. A matéria é o que individualiza cada ente. Uma mesa difere da outra que lhe é idêntica, pela madeira específica utilizada na sua confecção. Dois irmãos gêmeos serão diferenciados a princípio, apenas porque possuem dois corpos que embora sendo iguais, são constituídos de matéria diversa. O indivíduo, enquanto indivíduo, busca atender suas necessidades de sobrevivência, busca tudo o que lhe for necessário para se manter vivo, busca alimento, abrigo, saúde, prazer e tudo o mais que atenda seus anseios de conforto material. Tanto os animais quanto as plantas fazem o mesmo para si e, no caso dos animais, para a prole. Trata-se mais ou menos do impulso a que Espinoza chamava de conatus, o empenho do ente de se manter na existência. Já a pessoa é uma totalidade constituída de corpo e alma espiritual. A pessoa tem todas as inclinações do corpo no sentido de se manter vivo, de buscar o máximo de bem estar físico para si e para os seus, e sob este aspecto é egoísta. Mas tem também, graças à alma espiritual, a inclinação para o outro, para o amor, para a dádiva de si mesma, e neste sentido a pessoa é capaz de ser – e tem vontade de ser- altruísta. A pessoa volta-se para o outro, para os outros, volta-se para a comunidade, para a sociedade, é capaz de assumir