Um dos lugares que mais me encantam no Rio de Janeiro é o pequeno Oriente Médio da rua da Alfândega, com seu perfume ecumênico das mais variadas especiarias, parte da cidade que visito, desde os meus oito anos. Diante de meus insistentes pedidos, meu pai me levava às lojas sírio-libanesas, onde senhores idosos e educados surgiam dentre montes de confeitos coloridos que me hipnotizavam por completo. Ia com um caderno para reunir palavras exóticas, entre tâmaras e nozes, e me intrigava a beleza dos rabiscos em árabe, a pronuncia misteriosa. Até hoje o árabe guarda um prestígio especial para mim, pois nele se misturam a cultura popular carioca, os doces coloridos e os antigos donos das lojas da Alfândega.
Terminada a guerra civil, o Líbano tornou-se para mim uma extensão do Saara carioca. Eu passava as férias no coração de Beirute, entre a linha verde e a Universidade de São José. Era um país devastado, que saía cheio de feridas e incertezas de um cenário físico e moral, em mil fragmentos, embora permanecesse intacta a sua cultura plurissecular. Não esqueço quando tomei chá no terceiro piso de um prédio parcialmente em ruínas, que mal se equilibrava em sua estrutura, tal como o Líbano daquela quadra. A Síria dominava o país e seus soldados ocupavam-se da segurança nos checkpoints espalhados pela cidade. Vi a humilhação dos campos de refugiados palestinos, Sabra e Chatila, ferida de um povo que não para de sangrar. O Líbano foi para mim a escola que abriu caminho para tantos rumos, como a tão amada Síria e os meus estudos iniciais de hebraico.[…]