Publicações

François Mauriac, por Carlos Frederico

François Mauriac Carlos Frederico Gurgel Calvet da Silveira Presidente do Centro Dom Vital   Quando recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, em 1952, François Mauriac já era universalmente conhecido como “escritor católico”. Este título, entretanto, não era, de modo algum, algo secundário ou pacífico em sua literatura, nem nas décadas precedentes, nem naquele momento de literatura engajada. Mauriac nasceu aos 11 de outubro de 1885 em Bordeaux e veio a falecer em Paris em 1970. Sua educação católica teve início na infância, e provinha da escola que frequentara: “Eu não creio que se possa falar de conversão em determinado momento de minha vida. Nunca perdi a fé”, confessa consciente de sua fidelidade à fé de origem, mas também acrescenta que “no sentido pascaliano”, o cristão está sempre se convertendo. E creio que tenha sido este apelo profundo da experiência cristã o responsável por que a literatura de Mauriac não perdesse sua atualidade e autenticidade. Não se tratava de simples transmissão da fé da infância, mas de um contínuo confronto desta fé com a cultura cada vez mais exigente e desafiadora para os católicos de seu tempo, assim como do confronto desta fé com os desafios de sua própria vida pessoal. Um rápido bosquejo em suas obras é suficiente para confirmar sua constância na fé. Contudo, o mais surpreendente é que esta constância não eliminou suas angústias e suas paixões, mas, ao contrário, pareceu acentuá-las. De fato, lê-se por toda parte, nos retratos psicológicos de suas personagens, a agitação de sua personalidade cristã, sempre testada no cadinho da fé. É possível percebê-lo em Jean Péloueyre e sua mulher Noemi, de O Beijo ao Leproso, primeiro grande sucesso de Mauriac, escrito em 1922. Trata-se de um casamento infeliz, cujo desenlace parece independente das ações das personagens. Este, aliás, pode ser visto como um dispositivo constante de sua literatura. Mistura de misticismo e sensualidade, esta obra aponta para o sentimento de sacrifício cristão, entendido como consagração da vida a Deus. Esta consagração a Deus é a ideia perene do Cristianismo assumida por Mauriac. Eis um dos motivos por que suas obras, ainda hoje, merecem ser lidas e recomendadas. A obra que consagrou o romancista foi A Farisaica, uma vez mais os temas cristãos à flor da pele. Brigitte Pian é a personagem que desencadeia a narrativa de Louis Pian, enteado da primeira. Exigente com todos, Brigitte não vislumbra o mundo da graça que abunda para o cristão. Confiante em suas próprias ideias e leis morais, Brigitte sacrifica tudo e todos no tribunal de seus princípios. Eis que a vida lhe reserva surpresas, e de tal modo ela reconhecer-se-á farisaica que haverá de dizer: “não há merecimento, o que importa é amar”. Certo, há muito de jansenismo nestas palavras de Brigitte, porque também há muito de jansenismo no pensamento de Mauriac. Contudo, a mensagem maior de Mauriac é que todas essas ideias são meras concepções humanas, ou leituras humanas da mensagem do Evangelho, sempre insuficientes para garantir a clareza que a mente humana exige e não pode alcançar, mas que a literatura aproxima de modo poético e simbólico. Tudo isso exige do leitor, como exigiu de Mauriac, uma entrega, um sacrifício, uma consagração. A conexão entre a infância, a experiência religiosa jansenista e a fonte de sua literatura é confessada pelo próprio autor ao se comparar a Marcel Proust: “É necessário voltar ainda ao que me aparenta a Proust: eu não observo, eu não descrevo, eu reencontro, e aquilo que reencontro é o mundo estreito e jansenista de minha infância piedosa, angustiada e retraída…” (em Vue sur mes romans). Dentre tantas obras escritas por Mauriac, não se pode deixar de citar ainda obras como: Le fleuve de feu, Génitrix, Le désert de l’amour, Thérèse Desqueyroux – esta considerada por muitos a obra prima do autor -, Le noeud de vipères, Le mystère Frontenac e Le Sagouin. Gostaria de dizer umas palavras sobre esta última, pois penso seja de grande valor especialmente para o jovem que às vezes vive entre a angústia e a solidão, geradas pelos mais diversos eventos de sua própria vida, frequentemente desiludido por não encontrar esperança alguma. Este livro é a melhor companhia que Mauriac oferece a um jovem leitor. Com apenas doze anos, a personagem principal do romance é Guillaume, filho de Paule Meulière e do Barão Galéas de Cernès. Além deste trio, desempenha papel importante na trama, a avó de Guillaume, mãe do Barão e antagonista de Paule, assim como a preceptora austríaca, nomeada como Fräulein. Mais tarde, o preceptor, Robert Bordas, será a chave para a compreensão do sufocamento que Guillaume sofre em família: o casamento frustrado dos genitores, baseado em vingança e na contínua disputa entre a sogra e a nora. Contudo, o próprio Bordas fecha-se em seu mundo de conceitos abstratos, incapaz de se aproximar verdadeiramente de Guillaume, ou mesmo de sentir seu desejo de comunicação: “Deveria ter-se maravilhado ao ouvir esta voz fervorosa da criança que passava por idiota” (il aurait dû s’émerveiller d’entendre cette voix fervente de l’enfant qui passait pour idiot). Fica aqui o testemunho do nosso Alceu: “Grande e doloroso Mauriac que não quero conhecer de perto, pois me bastam as páginas trágicas de teus livros, em que não se sabe se és o autor de tuas criaturas ou se elas é que te fizeram assim como és – uma criança de face sulcada pela inquietação e de “mãos postas” à espera da Face que não falha” (Alceu de Amoroso Lima, Guardados da Memória: François Mauriac, ABL).

Ler mais »

Recordações do Centro Dom Vital

José Arthur Rios Diretor do Centro Dom Vital Certa tarde dos anos 50, ia eu pela Praça XV, quando deparei-me com o escritor Gustavo Corção e o dominicano Frei Romeu Dale caminhando, quase correndo rumo a um casarão mal iluminado na esquina da rua Sete de Setembro. “Onde vão vocês com essa pressa?” “Vamos ao centro Dom Vital”. “Pena não poder ir com vocês”. Aí acho que foi Corção quem disse: ” Venha, venha, a porta é estreita mas sempre cabe mais um”. Não fiquei surdo ao convite. Fui e fiquei longos serões. Eram às terças, na hora sexta. Íamos eu e minha noiva, ouvíamos uma conferência, às vezes simples comunicação, sempre importante. Seguia-se conversa, debate. Abria a sessão a oração de Santo Tomás de Aquino. O capelão rezava a missa. A presença do capelão marcava a presença da Igreja, os leigos ali reunidos nada pretendiam inovar ou reformar apenas renovar um voto implícito de fidelidade a uma doutrina, ao patrimônio. A oração do Doutor Angélico era farol e fiel na aparente confusão do debate. Podia-se ouvir a ousadia de uma glosa, não aventura de uma contestação. Soma não divisão, muito menos redução mutiladora – pecados dos tempos. No pensamento de seu fundador, Jackson de Figueiredo – e de seus continuadores – Alceu, Corção, Sobral Pinto o centro nesse tempo era a linha tensa mas nítida entre a doutrina da Igreja e a massa cinzenta do mundo – “mundo, mundo, se eu me chamasse Raimundo” – suspirava, naqueles tempos, Ciro dos Anjos. O mundo fervente de magia e ilusões era ressaca. Batia no cais, nele bem plantada a cruz – a oposição vigilante, o erro, a covardia, a mentira. Pela tribuna do Centro, naquela sala modesta, depois em recintos mais dignos passaram escritores, poetas, pensadores. Alceu de Amoroso e Lima falava de literatura, Murilo Mendes e Augusto Frederico Schmidt – de poesia; Fernando Carneiro de eutanásia e da cristianização da medicina; Américo Piquet Carneiro – da mentira do materialismo evolucionista. A estreita lauda concedida não permite mencionar tantos outros nem mesmo os estrangeiros, aves de passagem, exilados como George Bernanos que nos traziam as angústias da guerra, a ocupação da Europa, os holocaustos, racismos e colonialismos, – agonia de um mundo velho que desmoronava e os triunfalismos da terra nova que emergia das ruínas. Hoje, outros serão os temas, as angústias são as mesmas. Era isso o Centro Dom Vital, é o que esperamos que continue a ser na sua missão sempre renovável a serviço da Palavra, modesta lâmpada votiva no altar da Fé.

Ler mais »

Leandro Garcia Rodrigues

Doutor e Pós-doutor em Letras pela PUC-Rio. Contato pessoal: prof.leandrogarcia@hotmail.com * * * Textos no Site CDV: A Correspondência de Carlos Drummond de Andrade e Alceu Amoroso Lima A Semana de 22 e a Imprensa Carioca: Impasses, Silêncios e Incompreensões As Intrigas no Modernismo Brasileiro – Relatos Epistolares e Vida Literária Carnaval Carioca – A Complexa Biografia de Um Poema Mário de Andrade e Alceu Amoroso Lima – Correspondência, (Des)harmonia e Vida Literária Repensando o Modernismo – Alceu Amoroso Lima e as Contradições Modernistas

Ler mais »

A Reação do Bom Senso

A Reação do Bom Senso   “Nunca o mundo precisou mais de religião, na ordem prática, e tão certo é isto que só os cegos não verão o grande movimento intelectual católico e espiritualista que o reanima ultimamente”.

Ler mais »

Associação de leigos católicos, dedicada, desde 1922, à difusão da fé e à evangelização da cultura no Brasil: revista A Ordem, palestras, cursos, etc.