Etiópia é uma das últimas reservas poéticas do Ocidente
A queima de fogos deu ao Rio de Janeiro uma espécie de passaporte global para integrar o prestigioso número das grandes capitais da Terra por onde ingressa o Novo Ano, acompanhado pela escolta das grandes multidões, pela fanfarra em altos decibéis e pela sempre mais complexa, quase barroca, e cada vez mais longa pirotecnia.
Pagou-se, contudo, um preço elevado: o quase eclipse das religiões africanas, que coloriam nossas praias, no dia 31 de dezembro, com uma carga poética inesquecível, para quem as alcançou. Todo um arquipélago de velas brilhantes, que pontilhavam a areia de luz e sombra, com os perfumados barcos de Iemanjá, boa parte dos quais azulada, e os tambores cadenciados, ao mesmo tempo suaves e vigorosos, que se confundiam com as batidas do coração.
Mas outra praia resiste e cresce. A um mês do carnaval, vejo com alegria que o grupo Olodum prestará homenagem à Etiópia, dentro de seu projeto de trabalhar com as vozes da África, que constituem a espessa camada negra e polifônica de nossa História. “Lalibela Olodum” é o título da música, delicioso de pronunciar, como um mantra, apoiado na letra “l” e na fartura de vogais.
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