Efemeropiria

Efemeropiria

Carlos Frederico Gurgel Calvet da Silveira

Presidente do Centro Dom Vital

Professor Titular Universidade Católica de Petrópolis

Nesta manhã, ao buscar, no Laudelino Freire, o vocábulo ‘efúgio’, para compará-lo com a semântica do Latim effugium, deparei-me com a efemeropiria. Minha mente levou-me de súbito a imagens a que este termo poderia ser aplicado metaforicamente. Lembrei-me das febres das massas. Todas passageiras. Lembrei-me da morte de Tancredo: as massas derretendo-se pelos muros das cidades, do país. Lembrei-me da febre que foi Collor em 1989. E tantos outros eventos políticos em nosso país. E como não me viriam à mente as últimas eleições? Especialmente porque no Globo de hoje uma reportagem a respeito da campanha da Presidente Dilma dava conta dos mecanismos usados por seu escudeiro eleitoral e propagandista. As frases de efeito por ele criadas na ocasião, revelam-se hoje para todos, a meros três meses o evento cívico nacional, promessas efêmeras. Não havia princípios duradouros que as fundassem, nem sinceridade mínima, ainda que efêmera, que respaldasse os que, na ocasião, vieram a público defendê-las? A febre continuou na internet, mesmo depois de a vencedora dar início a certo mutismo e posterior enclausuramento.

Outras febres me vêm à memória. A dos aparelhos eletrônicos. Esta ainda das mais agitadas. Aparece à mesa de refeições, em família, entre amigos e inimigos, na Igreja, no consultório, no elevador, no Theatro Municipal, nos cinemas do Rio e do Brasil em geral. Os celulares são febricitantes. É uma febre aparentada com o falatório cotidiano, com a preguiça agitada dos que não conseguem mais encarar o sentido da existência.

A febre do Charlie Hebdo não pode faltar, a mais recente febre no panorama internacional. Aliás, este panorama tem um rol, diria, infindável, se este termo não parecesse contraditório com ideia de efemeridade. Em todo o caso, tivemos a Lady Diana, Obama, tivemos as Torres Gêmeas, e assim por diante.

Alguns fiéis da Igreja Católica não fogem a isso, atingidos pelas febres já citadas, aderiram ainda a outras. Que dizer do Rito Tridentino, que parece novamente entrar no esquecimento, mas que provocara, em tão pouco tempo, um desfile de casulas “violão”, manípulos, rendas – estas, aliás, dentro da febre chinesa do R$ 1,99, isto é, confeccionada com material barato numa época em que a renda barroca ficou inacessível -, e latim deficiente? Ademais, alguns, muitas vezes, sem conhecimento do sentido da língua e daqueles gestos e sinais que a própria história consumiu. E parece que já vai consumindo, neste breve espaço de tempo, as novas velhas alfaias.

O mesmo se diga do falatório dos católicos nas mídias, que chegam a fabricar falsas notícias com o fito de atrair leitores, ainda que em seguida lhes declarem o engodo. Contudo, a perseverança, a constância e a serenidade é que são o patrimônio da cultura cristã. São o antídoto da efemeropiria. E a tradição cristã é mestra nestas virtudes.

Com o Laudelino, não fiquei convencido de que ‘efúgio’, em Português, tivesse mantido o mesmo sentido de effugium em Latim, que quer dizer “fuga, evasão; passagem, saída”. No vernáculo, ‘efúgio’ significaria: subterfúgio; refúgio, fugida. O Houaiss, mais abundante nos sinônimos, diz que ‘efúgio’ pode significar; “meio de escapar, evitar alguma coisa; escusa, desvio, subterfúgio” – e ainda: – “algo que ampara, protege; refúgio, abrigo”. Enfim, embora não totalmente sinônimos, pertencem ao mesmo campo semântico latino.

Seria, então, a febre efêmera um mero subterfúgio existencial? Uma doença das massas ou da massificação?

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on pinterest
Pinterest
logotipo branco do Centro Dom Vital

Associação de leigos católicos, dedicada, desde 1922, à difusão da fé e à evangelização da cultura no Brasil: revista A Ordem, palestras, cursos, etc.