Associação de leigos católicos, dedicada, desde 1922, à difusão da fé e à evangelização da cultura no Brasil: revista A Ordem, palestras, cursos, etc.
Não é proibido proibir. No entanto, há proibições que são suavizadas em vista de um objetivo alheio ao bem comum. É o caso de um crime inventado no Brasil: a pichação. Para alguns, um fenômeno distinto das expressões gráficas que acontecem mundo afora, chamadas de grafite. A distinção entre pichação e grafite aparece em lei sancionada pela presidente Dilma em 2011. De fato, essa lei suaviza e altera lei anterior, de 1998, e prevê pena de três meses a um ano para quem “pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano”. E descriminaliza, em parágrafo distinto, o ato de grafitar nos seguintes termos: “Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida…” O texto da lei continua expondo aqueles que devem dar o consentimento para tal manifestação: proprietários, órgãos públicos etc. O que chamamos de pichação teve origem em São Paulo, embora o grafite tenha história que remonta à Antiguidade. Foi paradoxalmente a partir do século 20, com o advento da mídia moderna, que esse meio de protesto ganhou força e até certo respaldo social. […] Leia mais no site de Gazeta do Povo Leia outros texto de Carlos Frederico Gurgel no Clipping do CDV
Aprovação do Marco Civil da Internet é o primeiro passo de uma agenda positiva Por que tanta demora no debate sobre a democracia digital? Precisamos avançar com o Marco Civil da Internet, aprofundá-lo num quadro mais preciso, completando certas lacunas e dispositivos. A democracia digital (e-democracy) não se resume a mero instrumento ou linha auxiliar do processo político. Trata-se de uma compreensão abrangente da democracia, um redesenho vital, com partidos qualificados, ao mesmo tempo em que promove coletivos formados por minorias ativas, que se fazem ouvir dentro de uma (antes impensável) vasta capilaridade. A democracia digital dilui o precipício entre democracia direta e representativa, centro e periferia, asfalto e comunidade. O ideal da democracia grega era o de ser composta por cidadãos que tivessem bebido o leite dos mesmos seios, limitada, portanto, a pequenas comunidades, onde todos se reconhecem. A democracia digital não implica uma contradição, mas um complemento: a reivindicação da pequena escala, composta agora de inumeráveis seios, para enriquecer a grande escala, não mais abstrata ou diminuta, mas povoada pela humanidade concreta. Uma democracia especular, onde se alcançam muitos rostos, olhares, demandas, endereços. Ninguém é proprietário da democracia. Somos apenas inquilinos. A recente aprovação do Marco Civil da Internet é o primeiro passo de uma agenda positiva. Pode-se começar com sondagens de opinião delimitadas a parcelas de decisão na governança, ao mesmo tempo em que se realizem plebiscitos, de alto ou baixo impacto, com o aumento das formas de controle e transparência de agências, ministérios e autarquias. Pequenos passos, como o de tornar os serviços de atenção à cidadania mais eficazes, com agendamentos à distância e dispositivos outros, que poupem tempo e energia. Faz-se necessário criar condições favoráveis numa escala de serviços para avançar de modo seguro […] Leia mais no site de O Globo Leia outros texto de Marco Lucchesi no Clipping do CDV
Homens de Boa Vontade Carlos Frederico Gurgel Calvet da Silveira Presidente do Centro Dom Vital Professor Titular Universidade Católica de Petrópolis O papa João XXIII, em sua brilhante encíclica Pacem in Terris, de 1963, proclamava: “Como representante – ainda que indigno – daquele que o anúncio profético chamou o “Príncipe da Paz” (cf. Is 9,6), julgamos nosso dever consagrar os nossos pensamentos, preocupações e energias à consolidação deste bem comum. Mas a paz permanece palavra vazia de sentido, se não se funda na ordem que, com confiante esperança, esboçamos nesta nossa carta encíclica: ordem fundada na verdade, construída segundo a justiça, alimentada e consumada na caridade, realizada sob os auspícios da liberdade” (n. 166). O papa Francisco tem sido aclamado no mundo inteiro como o maior líder espiritual (e até político!) de nossa época. Contudo, algumas de suas declarações têm gerado perplexidade em católicos e não católicos, crentes e não crentes, críticas veiculadas preponderantemente pela mídia leiga. Efetivamente, talvez esteja aí uma das razões dessas críticas: a falta de familiaridade não só com a doutrina cristã, mas sobretudo com a consciência que as religiões e também a Igreja Católica têm de si mesmas. Esmurrar o semelhante: teria o papa proposto algo do gênero? Claro que não! E estão certos aqueles que lembram a passagem evangélica de apresentar a outra face ao inimigo. Na verdade, o papa Francisco ousou pôr-se no lugar das pessoas que se sentem ofendidas. É nesta ordem de coisas que podemos e devemos entender este comentário que muitos consideraram infeliz. Trata-se da busca de entendimento das reações das pessoas, no caso que se possam sentir ofendidas. Esta é uma atitude autenticamente cristã: compreender o semelhante. Ultrapassar esta fronteira na interpretação das palavras de Francisco revela má vontade hermenêutica. E também a analogia não foi feita para justificar a violência do atentado de Paris, previamente condenado pelo papa. Gostaria de me deter, à guisa de ilustração do que vimos lendo na mídia ultimamente, em algumas passagens do inapropriado artigo “Je suis demagogo” de autoria de Guilherme Fiúza, que apareceu no Globo, no dia 17/01. Vê-se, com facilidade que também a doutrina católica, e não somente o pontífice, tem sido objeto de crítica superficial. Mas comecemos com o papa: “Talvez uma das figuras mais representativas deste momento esquisito seja o Papa Francisco. Sua Santidade tem provavelmente uma espécie de João Santana ao pé do ouvido, para soprar-lhe as últimas tendências do mercado. Foi assim que o líder máximo da Igreja Católica mergulhou na causa gay.” Nos parágrafos seguintes, Fiúza dedica-se a ridicularizar a doutrina católica sobre a sexualidade, sem nuança alguma. Ao contrário, resvalando para o deboche, como se pode ver na conclusão dos mesmos parágrafos: “Ou seja, o Papa bonzinho está jogando para a arquibancada”. Na mesma área de reflexão, porém em ocasião mais recente, o papa foi criticado quando defendeu o planejamento familiar, que no âmbito católico é bem conhecido não somente com as restrições retratadas frequentemente pela mídia, mas também nos valores positivos que ora foram explicitados pelo papa que buscou uma linguagem mais compreensível, embora mantendo a mesma doutrina da Igreja, explicitada na encíclica Humanae Vitae de Paulo VI, 1968 (permitam-me, uma vez mais, a longa citação): “É de prever que estes ensinamentos não serão, talvez, acolhidos por todos facilmente: são muitas as vozes, amplificadas pelos meios modernos de propaganda, que estão em contraste com a da Igreja. A bem dizer a verdade, esta não se surpreende de ser, à semelhança do seu divino fundador, “objeto de contradição”; mas, nem por isso ela deixa de proclamar, com humilde firmeza, a lei moral toda, tanto a natural como a evangélica. A Igreja não foi a autora dessa lei e não pode portanto ser árbitra da mesma; mas, somente depositária e intérprete, sem nunca poder declarar lícito aquilo que o não é, pela sua íntima e imutável oposição ao verdadeiro bem comum do homem. Ao defender a moral conjugal na sua integridade, a Igreja sabe que está contribuindo para a instauração de uma civilização verdadeiramente humana; ela compromete o homem para que este não abdique da própria responsabilidade, para submeter-se aos meios da técnica; mais, ela defende com isso a dignidade dos cônjuges” (n. 18). A Igreja tem formado pacientemente as famílias para uma paternidade responsável e tem lutado, no Brasil e mundo afora, em favor da saúde familiar e do bem estar das crianças menos favorecidas. Lembremo-nos de Irmã Dulce, lembremo-nos da Pastoral da Criança, de D. Zilda Arns, além-fronteiras. Voltemos, contudo, a outro tema importante do artigo de Fiúza. Continua o articulista, entrando na discussão do atentado ao Charlie Hebdo: “Depois do atentado em Paris, a reunião no departamento de marketing do Vaticano deve ter fervido. Francisco tinha ali várias causas bondosas para escolher. Demorou um pouco, mas saiu a decisão: o Papa defendeu o Islã contra as ofensas dos chargistas franceses — uma posição candidamente desastrosa”. E embora o papa tenha defendido a religião islâmica e não os terroristas, o articulista continua no tom de deboche, sem propor qualquer reflexão mais relevante: “O marqueteiro de Francisco deve ter feito o cálculo certeiro: nada mais surpreendente, exótico e progressista do que um líder católico defendendo o Islamismo. E ainda soltou a pérola: “Liberdade de expressão tem limite”. Não, Francisco. Não tem. Seria como declarar que democracia tem limite. O que deve ser limitado — e já é, pela lei — é a expressão criminosa ou lesiva, não a liberdade. Está vendo como é dura a vida do populista? Esse negócio de ficar levantando bandeiras não é fácil, a gente acaba se atrapalhando mesmo.” Parece-me que o articulista defende, como o papa, a liberdade de expressão. Contudo, é importante entender que nem todos pensam, nem as nossas leis admitem uma liberdade de expressão qualquer, especialmente quando se trata de respeito às minorias. Certamente há hierarquia de valores aqui e alhures e a liberdade de expressão como valor ocidental supõe a compreensão de outras hierarquias de valor não ocidentais. E esta é a grande dificuldade que
Efemeropiria Carlos Frederico Gurgel Calvet da Silveira Presidente do Centro Dom Vital Professor Titular Universidade Católica de Petrópolis Nesta manhã, ao buscar, no Laudelino Freire, o vocábulo ‘efúgio’, para compará-lo com a semântica do Latim effugium, deparei-me com a efemeropiria. Minha mente levou-me de súbito a imagens a que este termo poderia ser aplicado metaforicamente. Lembrei-me das febres das massas. Todas passageiras. Lembrei-me da morte de Tancredo: as massas derretendo-se pelos muros das cidades, do país. Lembrei-me da febre que foi Collor em 1989. E tantos outros eventos políticos em nosso país. E como não me viriam à mente as últimas eleições? Especialmente porque no Globo de hoje uma reportagem a respeito da campanha da Presidente Dilma dava conta dos mecanismos usados por seu escudeiro eleitoral e propagandista. As frases de efeito por ele criadas na ocasião, revelam-se hoje para todos, a meros três meses o evento cívico nacional, promessas efêmeras. Não havia princípios duradouros que as fundassem, nem sinceridade mínima, ainda que efêmera, que respaldasse os que, na ocasião, vieram a público defendê-las? A febre continuou na internet, mesmo depois de a vencedora dar início a certo mutismo e posterior enclausuramento. Outras febres me vêm à memória. A dos aparelhos eletrônicos. Esta ainda das mais agitadas. Aparece à mesa de refeições, em família, entre amigos e inimigos, na Igreja, no consultório, no elevador, no Theatro Municipal, nos cinemas do Rio e do Brasil em geral. Os celulares são febricitantes. É uma febre aparentada com o falatório cotidiano, com a preguiça agitada dos que não conseguem mais encarar o sentido da existência. A febre do Charlie Hebdo não pode faltar, a mais recente febre no panorama internacional. Aliás, este panorama tem um rol, diria, infindável, se este termo não parecesse contraditório com ideia de efemeridade. Em todo o caso, tivemos a Lady Diana, Obama, tivemos as Torres Gêmeas, e assim por diante. Alguns fiéis da Igreja Católica não fogem a isso, atingidos pelas febres já citadas, aderiram ainda a outras. Que dizer do Rito Tridentino, que parece novamente entrar no esquecimento, mas que provocara, em tão pouco tempo, um desfile de casulas “violão”, manípulos, rendas – estas, aliás, dentro da febre chinesa do R$ 1,99, isto é, confeccionada com material barato numa época em que a renda barroca ficou inacessível -, e latim deficiente? Ademais, alguns, muitas vezes, sem conhecimento do sentido da língua e daqueles gestos e sinais que a própria história consumiu. E parece que já vai consumindo, neste breve espaço de tempo, as novas velhas alfaias. O mesmo se diga do falatório dos católicos nas mídias, que chegam a fabricar falsas notícias com o fito de atrair leitores, ainda que em seguida lhes declarem o engodo. Contudo, a perseverança, a constância e a serenidade é que são o patrimônio da cultura cristã. São o antídoto da efemeropiria. E a tradição cristã é mestra nestas virtudes. Com o Laudelino, não fiquei convencido de que ‘efúgio’, em Português, tivesse mantido o mesmo sentido de effugium em Latim, que quer dizer “fuga, evasão; passagem, saída”. No vernáculo, ‘efúgio’ significaria: subterfúgio; refúgio, fugida. O Houaiss, mais abundante nos sinônimos, diz que ‘efúgio’ pode significar; “meio de escapar, evitar alguma coisa; escusa, desvio, subterfúgio” – e ainda: – “algo que ampara, protege; refúgio, abrigo”. Enfim, embora não totalmente sinônimos, pertencem ao mesmo campo semântico latino. Seria, então, a febre efêmera um mero subterfúgio existencial? Uma doença das massas ou da massificação?
O início do século 21 descortina um problema maiúsculo, cuja caracterização desafia a capacidade analítica dos pensadores hodiernos. A despeito do que prometeu o Círculo de Viena (1929), o triunfo da ciência não trouxe os benefícios sociais e humanos prometidos. Pelo contrário, temas que deveriam estar há muito superados teimam em retornar numa sociedade que expurgou da vida pública as questões de fundamento. É o caso do fanatismo político-religioso, que mostrou mais uma vez seu rosto na semana passada, em Paris. Por que jovens de classe média, muitas vezes bastante bem-educados, cuja vida não padece de qualquer tipo de carência material, aderem a seitas fundamentalistas? Por que matam e ameaçam de morte outras pessoas por motivos francamente injustos e violentos? O assunto é um verdadeiro atoleiro, com não poucas armadilhas, mas necessita ser enfrentado com coragem. E uma pista de desembaraço parece ser dada pelo professor Kurt Gauger. Em seu livro Cidade-Demônio, de 1957, o psiquiatra alemão apresentou uma perturbadora carta de um jovem detento a seus pais. Descartados os adâmicos exageros do rapaz, que culpa outros pelas próprias escolhas, a carta traz alguma luz acerca do desafio do fanatismo também em nossos dias. Grosso modo, a carta acusa os pais do condenado e sua geração de não acreditar vigorosamente nos valores que professavam. Segundo a denúncia do jovem, bastava que crianças resistissem brevemente às determinações educativas de seus pais e mestres e o “não” transformava-se em “sim”, ou um “sim” sem convicção do diretor da escola tornava-se um “não”. E esse delinquente, de dentro de uma penitenciária, faz um diagnóstico que bem pode iluminar o problema do extremismo: os jovens são fortes no mal porque os seus pais e educadores são fracos no bem. Os jovens buscam nas seitas o que não encontram em seus lares: vidas coerentes, valores de carne e osso. […] Leia mais no site de Gazeta do Povo Leia outros texto de Robson Oliveira no Clipping do CDV
Etiópia é uma das últimas reservas poéticas do Ocidente A queima de fogos deu ao Rio de Janeiro uma espécie de passaporte global para integrar o prestigioso número das grandes capitais da Terra por onde ingressa o Novo Ano, acompanhado pela escolta das grandes multidões, pela fanfarra em altos decibéis e pela sempre mais complexa, quase barroca, e cada vez mais longa pirotecnia. Pagou-se, contudo, um preço elevado: o quase eclipse das religiões africanas, que coloriam nossas praias, no dia 31 de dezembro, com uma carga poética inesquecível, para quem as alcançou. Todo um arquipélago de velas brilhantes, que pontilhavam a areia de luz e sombra, com os perfumados barcos de Iemanjá, boa parte dos quais azulada, e os tambores cadenciados, ao mesmo tempo suaves e vigorosos, que se confundiam com as batidas do coração. Mas outra praia resiste e cresce. A um mês do carnaval, vejo com alegria que o grupo Olodum prestará homenagem à Etiópia, dentro de seu projeto de trabalhar com as vozes da África, que constituem a espessa camada negra e polifônica de nossa História. “Lalibela Olodum” é o título da música, delicioso de pronunciar, como um mantra, apoiado na letra “l” e na fartura de vogais. […] Leia mais no site de O Globo Leia outros texto de Marco Lucchesi no Clipping do CDV
Dia 20/12, o colunista de O Globo, José Castello, publicou uma crítica ao livro Clio, do membro do CDV, o imortal Marco Lucchesi. Divulgamos o texto abaixo. Por José Castello – O Globo Um poeta deve se contentar com migalhas. Com fragmentos quase invisíveis que, trabalhados com amor e paciência, se transformam em um poema. “Não tenho/ novas/ del-rei/ apenas indícios”, constata Marco Lucchesi em um dos poemas de “Clio” (Biblioteca Azul). Fracos sinais, mínimos traços, imagens que, justapostas, compõem sua escrita. Restos. A leitura de “Clio” me enche de espanto e inspiração. Será o mais belo livro que Lucchesi já escreveu? Provavelmente, sim. São poemas que não nos deixam quietos, que nos comovem e excitam. A poltrona balança, como que agitada pela ventania dos grandes mares. Poemas servem mesmo para isso: para nos revolver o espírito. É tudo muito frágil e, por isso mesmo, transformador. “Trago nos olhos/ o clarão/ de um mundo inacabado”, escreve Lucchesi em outro momento. Não é simples manejar o incompleto. As palavras pedem sentido. Pedem coerência _ mas ela lhe escapa. O poeta é um perseguidor, fadado, porém, ao fracasso. Escreve Lucchesi, em um momento de alta inspiração: “E/ quando começo/ a buscar/ mais longe/ me vejo”. Não é só que a busca não funcione: em vez de aproximar, ela afasta. E assim, como um mendigo, o poeta persegue as palavras, implorando por aquilo que elas nunca irão lhe dar. Poemas curtos, ríspidos, cheios de cortes e de atalhos. Poemas em que a língua só se contenta com o osso. Nenhuma retórica, nenhum desperdício. Lucchesi nos diz o que tem a dizer e fica nisso. Sobra o que, em outro poema, define como “uma dor impronunciável”. O que pode ser uma definição precisa, embora atroz, da existência. Sim, o poeta tem seus instrumentos _ tem a língua que maneja com perícia. Tem suas estratégias. Mesmo assim, não pode contar muito com eles. “O capitão-mor/ (…)/ sabe como são falhos/ e precários/ agulhas portulanos esmeraldos”. Portulanos _ cartas marítimas. Palavras antigas, vindas da época do descobrimento; palavras gastas pelo tempo e que, no entanto, conservam sua potência. Os instrumentos do poeta são insuficientes. Com eles, contudo, continua a escrever. Não chegam às fronteiras do império da verdade; mas as acariciam, e esse afago é outro nome para o humano. O poeta sabe que está regido por uma lei, que ele mesmo define assim: “Tudo/ se/ perde/ só/ não se/ perde/ essa/ vontade de perder”. Vontade inútil, que conduz ao desencontro e, mesmo, à derrota. Ainda assim, ela faz o poeta avançar. Estranha escrita que, desde as primeiras palavras, sabe que seu objeto lhe escapará. Por fim, ela mesma ocupará os dois papéis: sujeito e objeto. Deve se bastar. Nem por isso despreza o mundo: seu fracasso nos dá a dimensão de sua grandeza, mesmo que não suportemos encará-la. Sabe que detém um poder incerto, que vigora sobre um território inacessível. Terra vaporosa, erguida na incerteza, é ali, no entanto, que ele deve habitar. “Sou da pátria de fronteira/ rei de Portugal e Algures”, escreve. Para, linhas abaixo, enfatizar: “rei de Algures e Nenhures”. Rei de nada _ governa um território não localizável, “sem arautos nem bandeira”, que, mais que possuir, ele precisa construir. Sai de si essa terra. É a si mesmo, com sua nave louca, que deve atravessar e governar. As duas figuras que norteiam o livro de Marco Lucchesi _ Clio, a musa da memória, e Insônia, a ameaça do vazio _, combinadas, lhe traçam um destino nada promissor. “Meu pensamento/ é um porto/ de conjuras e naufrágios”, ele admite _ fascinado, ainda, pela figura oculta de Dom Sebastião. Se há um destino? Escreve porque acredita que sim. Mas os vestígios são raros, os sinais intermitentes, as lacunas (abismos) se abrem mais vastas que o incerto chão. É nessa estrada quebradiça que ele avança. Mais grave: diante do esforço imenso, luta insana com as palavras, é ela tudo que lhe sai. Porque a estrada é ele mesmo, poeta solitário. Escreve atiçado pela ideia do desastre. A qualquer momento, um evento, uma desgraça pode dobrá-lo. Constata: “A poesia é o mar vermelho do real/ afoga-se quem busca a promissão”. Nada se promete: e é esse o limite que o poeta precisa aceitar, ou não conseguirá escrever. Ficar com o vermelho ardente do real (sangue), dele arrancar palavras, esboçar caminhos: eis tudo. Eis a poesia. Em Deli, hospedado no Sebastian Inn, perplexo, constata: “Procuro/ no espelho do hotel/ a fonte em que se apuram meus enganos”. Eis aí, resumido, seu destino: escrever é enganar-se. Chegando a Adis Abeba, o poeta-viajante se depara com outra parte da verdade: “A história é uma esfinge a erguer atrás do sol/ as velhas pálpebras”. Eis Clio _ pálpebra, véu que recobre os olhos, cegueira. A memória é feita mais de esconderijos que de luz. Nesse cenário inconstante, longa planície de trevas, só o silêncio se aproxima da verdade. Só o silêncio diz o que é. O poeta constata: “sujo de silêncio/ ébrio/ de silêncio/ aclaro/ as úmidas/ cisternas/ do coração”. Onde as palavras fracassam, ou pelo menos vacilam, melhor engoli-las a seco. Melhor trabalhar com sua ausência ou, pelo menos, com sua impossibilidade. Melhor ficar com o vago: “a selva/ espessa/ do indeterminado/ tangida/ de secretas/ harmonias”. Inquietante destino _ que me afeta, brutalmente, como leitor: só na desarmonia resiste alguma esperança de harmonia. O poeta deve partir do que é. Deve partir do que tem _ tão pouco. E não temer a perdição. Sereno, diz: “eu me dissipo/ nas coisas/ que congrego”. Mesmo na incerteza, mesmo quando as coisas lhe escapam, um poeta deve incluir tudo. Aqui me vem um trecho de entrevista de Lucchesi ao poeta Floriano Martins. “Não quero ou. Quero e”, afirma o poeta. Recorda uma cena da juventude quando, em certa tarde do Recife, acabou de escutar um concerto de Vivaldi, na Sala Cecilia Meirelles. Logo depois, encontra-se, por acaso, com Luis Gonzaga que, num rompante, lhe toca o Asa branca. “Não era
Ler na íntegra “Querido povo brasileiro, É com grande alegria que me dirijo a vocês, às vésperas do Ano Novo, que marcará o início das comemorações pelos 450 anos de fundação da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, para saudar, numa tão feliz circunstância, o amado povo carioca, que me recebeu de braços abertos por ocasião da Jornada Mundial da Juventude de 2013, e acender o novo sistema de iluminação da Estátua do Cristo, como fez o Beato Papa Paulo VI há cinquenta anos, simbolizando a luz que o Senhor quer acender nas nossas vidas. “Quatrocentos e cinquenta anos já representam uma venerável história; a história de um povo corajoso e alegre que nunca se deixou abater pelas dificuldades, a exemplo de seu santo padroeiro, o Mártir romano Sebastião, que mesmo depois de ter sido alvejado por flechas e dado como morto, não deixou de dar testemunho de Cristo aos seus contemporâneos; a história de uma cidade que desde o seu nascimento esteve marcada pela fé. Querido povo carioca: «crê em Deus, e Ele cuidará de ti; endireita os teus caminhos e espera n’Ele. Conserva o seu temor, e n’Ele envelhecerás» (Eclo 2,6)!“ Hoje, se pudéssemos nos colocar na perspectiva do Cristo Redentor, que do alto do Corcovado domina a geografia da cidade, o que é que nos saltaria aos olhos? Sem dúvida, em primeiro lugar, a beleza natural que justifica seu título de Cidade Maravilhosa; porém, é inegável que, do alto do Corcovado, percebemos igualmente as contradições que mancham esta beleza. Por um lado, o contraste gerado por grandes desigualdades sociais: opulência e miséria, injustiças, violência… Por outro, temos o que poderíamos chamar de cidades invisíveis, grupos ou territórios humanos que possuem registros culturais particulares. Às vezes parece que existem várias cidades, cuja coexistência nem sempre é fácil numa realidade multicultural e complexa. Mas, diante deste quadro, não percamos a esperança! Deus habita na cidade! Deus habita na cidade! Jesus, o Redentor, não ignora as necessidades e sofrimentos de quantos estão aqui na terra! Seus braços abertos nos convidam a superar estas divisões e construir uma cidade unida pela solidariedade, justiça e paz. E qual seria o caminho a seguir? Não podemos ficar “de braços cruzados”, mas abrir os braços, como o Cristo Redentor. Por isso, o caminho começa pelo diálogo construtivo. Pois, «entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as gerações, o diálogo no povo, porque todos somos povo» (Discurso à classe dirigente do Brasil, 26 de julho de 2013). Neste sentido, é preciso reconhecer que, independentemente do seu grau de instrução ou de riqueza, todas as pessoas têm algo para contribuir na construção de uma civilização mais justa e fraterna. De modo concreto, creio que todos podem aprender muito do exemplo de generosidade e solidariedade das pessoas mais simples; aquela sabedoria generosa de saber “colocar mais água no feijão”, da qual o nosso mundo ressente tanto.
Associação de leigos católicos, dedicada, desde 1922, à difusão da fé e à evangelização da cultura no Brasil: revista A Ordem, palestras, cursos, etc.