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Curso “Arte Retórica”

  Segunda-feira 04/04 às 18h começará o curso: “Arte Retórica“, tendo como ementa: Relação entre Lógica, Retórica e Oratória. A retórica aristotélica. A contribuição romana. A crise da retórica. Teoria e Prática da Retórica. Figuras e Tropos. Noções de Oratória. O curso, ministrado pelo Professor *Dr. Carlos Frederico Gurgel Calvet da Silveira, será de 04/04 a 25/04, às segundas-feiras, das 18 h às 19h30. Serão emitidos certificados. Inscrições pelo email: comunicacao@centrodomvital.com.br. As inscrições também podem ser realizadas no local no primeiro dia do curso: Rua Araújo Porto Alegre, 70 sala 111 (esquina com Rua México, próximo ao Metrô Cinelândia). Participem com seus familiares e amigos e divulguem, por favor! Muito obrigado a todos! “Se algo está elegantemente dito (estilo, lexis), emotivamente expresso (páthos) e fidedignamente exposto (êthos), o que foi dito é verdadeiro […] o melhor discurso retórico, que aspira ao verossímil, será sempre destinado a ser processado pela inteligência racional e emocional dos ouvintes, e elaborado com a arte da eloquência para que o resultado do processo mencionado seja proveitoso para o orador”. (Cícero)   *Carlos Frederico Gurgel Calvet da Silveira – Resumo do Lattes: Doutor em Filosofia pela Pontificia Università San Tommaso (Roma), com revalidação nacional do diploma pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2005, processo 23079.001260/04-64). Com graduação e mestrado em Filosofia. Atualmente é professor titular da Universidade Católica de Petrópolis, professor adjunto da PUC-Rio – Seminário São José da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro. Diretor do Centro de Teologia e Humanidades e coordenador do Curso de Filosofia da Universidade Católica de Petrópolis. Presidente do Centro Dom Vital, RJ. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Ontologia e Filosofia do Direito, atuando principalmente nos seguintes temas: tomismo, metafísica, ética e filosofia medieval. Publicações de várias ordens, como os livros “Elementos de Filosofia do Direito”, “Tomismo Essencial”, “A Metafísica no Cinema de Robert Bresson” e “A Arte de Ensinar a Estudar o Direito: Mediar, Sensibilizar, Humanizar”, obra em coautoria com a Dra. Hilda Bentes, primeiro lugar na categoria acadêmica do Prêmio Patrícia Accioli de Direitos Humanos da Amaerj, 2014.  

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O Conceito de Pessoa na Antropologia Filosófica de Karol Woityla, o Papa João Paulo II

Anna Maria Moog Rodrigues Membro do Centro Dom Vital Foi-me encomendado um estudo sobre a antropologia de Karol Woytila, o Papa João Paulo II, de tão saudosa memória. Considerei que para falar da antropologia de Woityla e o que nela há de inovador, seria preciso remontar ao próprio conceito de pessoa e de como este conceito apareceu e evoluiu através da história. Naturalmente, a temática requereria livros e livros e a apresentação oral requereria alguns cursos. Mas, não esmorecendo da tarefa, tive a enorme pretensão de apresentar o que coube do tema no espaço exíguo de algumas páginas. Para tanto, dividi o tema da seguinte forma: O homem no pensamento da antiguidade clássica e na Idade Media O conceito de pessoa A problemática do pensamento moderno Kant A fenomenologia A Antropologia de Karol Wojtyla            1.     A pergunta acerca do que seja o homem não é a que primeiro se apresenta ao espírito humano. No começo dos tempos, a preocupação dos homens voltava-se para a natureza. Mas, já na Grécia, Sócrates iria reconhecer que nenhum tipo de conhecimento seria superior ao que o homem pudesse ter dele mesmo. Tal conhecimento, entretanto, não lhe pareceria ser fácil de adquirir; daí que seu ensinamento visasse, indiretamente, levar o interlocutor a tentar compreender o que deveria ser o comportamento do homem virtuoso. Para conhecer o homem, Sócrates pretendia saber como o homem deveria agir. Depois de Sócrates, Platão mudaria de plano. Passaria do plano da introspecção subjetiva para o da objetividade metafísica. Para Platão, o homem estaria dividido entre dois mundos, o mundo da matéria, do corpo e o mundo das idéias, o mundo ideal. Assim, o homem estaria sempre em estado de tensão, atraído para o mundo das idéias pelo espírito, pela alma, mas preso ao mundo da matéria pelos sentidos, pelas sensações do corpo. Aristóteles, no mesmo plano, o da metafísica, tentaria reconciliar o homem consigo mesmo, reconciliando-o com seu próprio corpo. O homem, para Aristóteles, seria   matéria e forma, a matéria sendo o corpo, cuja forma humana seria dada pela alma, princípio de vida. Sendo princípio de vida,   todos os seres vivos, inclusive todos os animais e plantas também teriam alma. Enquanto integrante do universo, o homem seria um indivíduo de uma espécie, a espécie dos animais racionais. Distinguir-se-ia dos demais entes naturais apenas pela característica da racionalidade. A finalidade do homem, similarmente à dos demais entes naturais, haveria de ser a de realizar-se em todas as suas peculiares potencialidades. No caso do homem, esta realização seria o alcance da plenitude do seu desenvolvimento racional. E nisto consistiria sua virtude e sua felicidade Sto. Agostinho, no apagar da civilização antiga, acrescentou à compreensão do homem a característica do livre arbítrio, reconhecendo-lhe a dignidade de quem tem o poder de decidir o próprio destino. Esta dignidade foi a grande contribuição trazida pelo cristianismo, pois, para os antigos, o destino de cada homem estaria traçado à sua revelia. Oito séculos depois, no apogeu da Idade Média, Sto. Tomás de Aquino adotou de Aristóteles a conceituação metafísica segundo a qual o homem seria constituído de uma matéria, o corpo, princípio de individuação, e de uma forma, a forma humana, comum a toda a humanidade. Não obstante, a forma humana, isto é, a forma de um ser humano, seria dada a cada homem individualmente, a alma imortal criada por Deus para cada um, criada à imagem e semelhança Dele. A partir desta nova compreensão, a plenitude da felicidade do homem não seria mais alcançada apenas pelo exercício da racionalidade, pela realização da finalidade do homem, tal como era entendida por Aristóteles, mas pela realização da vontade livre do homem quando iluminada pela reta razão.   Em conformidade com a natureza da alma criada por Deus, a plenitude da felicidade somente se realizaria quando fosse realizada a finalidade para a qual cada alma havia sido criada, isto é, na visão Beatífica, na comunhão com o próprio Deus e na Sua contemplação. Não obstante, nem Sto. Agostinho nem Sto. Tomás estavam preocupados com questões de pura filosofia, mas sim com questões teológicas. Queriam, entretanto, traduzir a mensagem de Cristo de forma a que fosse familiar às mentes ocidentais, habituadas à linguagem da filosofia clássica. Ainda assim, desta nova acepção de homem, um homem dotado de livre-arbítrio, emerge o conceito filosófico de pessoa, inspirado nos grandes debates acerca da Santíssima Trindade: a pessoa é caracterizada pela capacidade de volver-se sobre si mesma. A pessoa tem consciência de si, é capaz de se auto-determinar, de livremente dispor de si mesma, de livremente doar-se. 2. O conceito de pessoa não se confunde com o de indivíduo. Este é comum a todos os entes materiais. A matéria é o que individualiza cada ente. Uma mesa difere da outra que lhe é idêntica, pela madeira específica utilizada na sua confecção. Dois irmãos gêmeos serão diferenciados a princípio, apenas porque possuem dois corpos que embora sendo iguais, são constituídos de matéria diversa. O indivíduo, enquanto indivíduo, busca atender suas necessidades de sobrevivência, busca tudo o que lhe for necessário para se manter vivo, busca alimento, abrigo, saúde, prazer e tudo o mais que atenda seus anseios de conforto material. Tanto os animais quanto as plantas fazem o mesmo para si e, no caso dos animais, para a prole. Trata-se mais ou menos do impulso a que Espinoza chamava de conatus, o empenho do ente de se manter na existência. Já a pessoa é uma totalidade constituída de corpo e alma espiritual. A pessoa tem todas as inclinações do corpo no sentido de se manter vivo, de buscar o máximo de bem estar físico para si e para os seus, e sob este aspecto é egoísta. Mas tem também, graças à alma espiritual, a inclinação para o outro, para o amor, para a dádiva de si mesma, e neste sentido a pessoa é capaz de ser – e tem vontade de ser- altruísta. A pessoa volta-se para o outro, para os outros, volta-se para a comunidade, para a sociedade, é capaz de assumir

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Repensando o Modernismo – Alceu Amoroso Lima e as Contradições Modernistas

Leandro Garcia Rodrigues[1] Diretor do Centro Dom Vital Quando pensamos nos “modernismos” que o Brasil produziu, uma certeza solta à nossa frente: ainda temos muito que pesquisar, muita poeira cultural ainda se esconde pelos escombros do nosso passado. Certamente, o projeto heróico de São Paulo não foi a única versão de Modernismo que o Brasil testemunhou nas primeiras décadas do século XX, pesquisas têm mostrado o quanto a modernidade brasileira foi fragmentada e diversificada em forma e conteúdo. Um problema se torna gritante: antigos cânones e certezas vão perdendo o caráter engessado que os caracterizava, dando margem para outras possibilidades e semânticas às vezes intrigantes. É o caso da participação/contribuição de Alceu Amoroso Lima, que viveu, interagiu e produziu sua gigantesca obra ao longo deste período que chamamos de Modernismo. Amoroso Lima circulou pelos principais espaços de produção da mentalidade modernista, fazendo contato com as mais diferentes correntes que conviviam nem sempre de forma harmoniosa. Desta forma, podemos dizer que ele ajudou a “pensar” a modernidade brasileira e acompanhou as suas múltiplas manifestações e transformações. São esses aspectos que vamos explorar adiante. Um fato importante de ser lembrado é que os primeiros anos no Modernismo brasileiro se processaram durante a década de 20, e foi justamente neste momento que Alceu passava pela sua ebulição/calefação espiritual, que o diga a sua vertiginosa correspondência de seis anos com Jackson de Figueiredo, quando ao término da mesma se solidificou o seu retorno definitivo à Igreja. Tudo contribuía para que Alceu tivesse uma profunda aversão às novidades vanguardistas, principalmente a sua formação intelectual e o tipo de convívio cultural que tinha. A este respeito, Wilson Martins deu a dica do que “salvou” Alceu para o Modernismo: O que o salvou para a literatura e para a posteridade foi justamente a espécie de disponibilidade espiritual em que então se encontrava e que lhe permitiu encarar com simpatia aquela revolução de jovens, distinguindo lucidamente o que nela havia de necessário e, apesar das aparências muitas vezes funambulescas, de sério e até de severo. (apud Coutinho, 1997, p.592) Superando as expectativas negativas, a conversão de Alceu não significou o seu enclausuramento intelectual. O seu “Adeus à Disponibilidade” o fazia disponível às diferentes ideologias e estéticas, porém conservando os frutos que o trabalho da conversão fizera produzir. Foi um adeus ao materialismo e à ausência de Deus, não às idéias. Por isso que teve uma participação ativa nos debates que ajudaram a dar forma ao movimento modernista. Com isso, compreendemos as muitas lembranças desta fase heróica do Modernismo. E nada melhor que um livro de memórias para que tais impressões viessem à tona. Quando foi publicado o seu Memórias Improvisadas, em 1973, no auge das comemorações dos seus oitenta anos, Alceu fez um excelente balanço histórico do Modernismo com a autoridade de quem vira tudo acontecer e, o mais importante, com uma larga distância no tempo, pelo menos uns cinqüenta anos em relação aos momentos por ele aludidos, o que forneceu maior flexibilidade analítica e uma privilegiada visão de conjunto. À pedido do entrevistador, Medeiros Lima, que fizesse um balanço do movimento, Alceu assim começou: O modernismo em princípio foi a negação do marasmo, do academicismo, da subserviência à literatura portuguesa e a certo e vago cosmopolitismo. […] Como manifestações positivas são características: 1) a afirmação da liberdade em arte, o que fez do modernismo uma espécie de neo-romantismo; 2) o reconhecimento do direito à pesquisa estética, de um estilo novo, pela ruptura com a arte poética e a vernaculidade gramatical imposta; 3) a afirmação de temas e inspirações nacionais; 4) o reflexo de movimentos análogos que se processavam no estrangeiro e que a guerra trouxe à tona, como o futurismo, o cubismo e o supra-realismo; 5) a afirmação de que o tempo é o critério de valores; 6) a procura da originalidade, o afastamento dos modelos. (Lima, 1973, p.71) Em princípio, Alceu não disse nada diferente do que tradicionalmente se relega ao movimento modernista, principalmente numa perspectiva didática. Foram as bandeiras apresentadas e defendidas por aqueles que militaram na tal transformação da nossa mentalidade literária. Contudo, um aspecto é necessário ressaltar: “a afirmação de que o tempo é o critério de valores”. De fato, a distância diacrônica entre a fase dos acontecimentos e o momento das lembranças fez com que Alceu e outros críticos apresentassem interessantes análises, especialmente no que diz respeito às diferentes participações de intelectuais neste período de construção do ideário moderno em nossas letras. A este respeito, afirmou Afrânio Coutinho: O Modernismo, de seu lado, beneficiou-se do apoio de dois nomes estranhos aos seus quadros e, por isso mesmo, tanto mais valiosos: o de Tristão de Athayde que, iniciando a sua crítica num grande jornal carioca, em 1919, já usufruía, em 1922, de certo prestígio, e o de Graça Aranha, que representava uma cabeça de ponte na Academia – precisamente o único lugar em que os primeiros modernistas nenhuma cabeça desejavam estabelecer. Mas, a presença de alguns “respeitáveis” ao seu lado dava-lhes uma sorte de “aval” de que, social e subconscientemente, tanto necessitavam. Junte-se, então, mais este paradoxo à história do Movimento: revolução espiritual antiacadêmica por excelência, não repudiou a lisonja representada pela adesão de três eminentes espíritos acadêmicos e conservadores: Graça Aranha, Paulo Prado e René Thiollier. (Coutinho, 1997, p.592) Certamente, este foi a primeira e principal contradição do movimento modernista brasileiro: a vanguarda e a tradição caminhando lado a lado, imbricando-se mutuamente, ora convergindo, ora divergindo. A própria organização da Semana de Arte Moderna foi prova disso. Primeiramente o espaço escolhido, o Teatro Municipal de São Paulo, que naquele momento era um dos principais monumentos da arquitetura neoclássica da capital paulista. Imaginemos o que deve ter sido a exposição organizada no saguão de entrada – as “estranhas” pinturas cubistas de Anita Malfatti e Di Cavalcante e as esculturas esquisitas de Brecheret – todas sendo devidamente ladeadas pelas imponentes colunas gregas do prédio, isto sem dizer da imponente rotunda de tendência renascentista bem ao alto. E o que dizer de Paulo Prado,

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Mário de Andrade e Alceu Amoroso Lima – Correspondência, (Des)harmonia e Vida Literária

Leandro Garcia Rodrigues[1] Diretor do Centro Dom Vital     Resumo: Este ensaio tem o objetivo de apresentar determinados aspectos da troca missivista entre Alceu Amoroso Lima (o Tristão de Athayde) e Mário de Andrade, com particular atenção à problemática envolvendo a questão religiosa, o Catolicismo e a prática da fé, assuntos estes muito debatidos neste epistolário. Neste afã, será utilizada a pesquisa por mim feita e organizada que resultará na publicação futura desta correspondência recíproca pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP), na Coleção Correspondência Mário de Andrade. Também serão discutido alguns aspectos próprios e relativos do Gênero Epistolar, como sua natureza complexa e amorfa e sua importância, cada vez mais declarada, aos Estudos Literários, particularmente em relação ao nosso processo modernista. Palavras-chave: Epistolografia; Religiosidade; Mário de Andrade; Alceu Amoroso Lima. A dinamização dos estudos epistolares, no Brasil, vem trazendo à baila boas surpresas, curiosidades e novas abordagens do nosso processo literário. Não são apenas cartas e outros documentos que são revelados, mas todo o universo (auto)biográfico daqueles diretamente envolvidos na trama epistolar; visão de mundo, aspectos e costumes pessoais, crenças, humor, escrita pessoal e toda a noção de vida literária, categoria esta complexa e sempre expressiva através das suas mais diferentes rachaduras temáticas, ideológicas e estilísticas. Nesta perspectiva, trago à discussão alguns aspectos da correspondência entre Mário de Andrade e Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde). A motivação desta empreitada se sustenta na organização que fiz da correspondência recíproca destes dois missivistas, a ser publicada futuramente pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP), na Coleção Correspondência de Mário de Andrade, coordenada pelos professores Marcos Antônio Moraes e Telê Ancona Lopez. Devo informar que todos os fragmentos epistolares que cito neste artigo foram retirados deste meu trabalho, ainda sob minha custódia pessoal. São ao todo cinquenta e quatro (54) documentos (cartas, telegramas e bilhetes) trocados ao longo de dezenove anos, entre 1925 e 1944[2]. A disposição para o estabelecimento da correspondência foi de Mário, como fica claro na sua primeira carta a Alceu: São Paulo, 28 de Maio de 1925 Tristão de Athayde Confesso que estive pegando um papel bonito pra lhe escrever mas refleti a tempo que isso era indecente. Deixei o tal pra aumentar só o epistolário… rose das damas que me escrevem e voltei pro meu papelinho barato de todo dia com que escrevo aos camaradas. Imensamente lhe agradeço o artigo que escreveu sobre a Escrava. Li reli repensei aproveitei[3]. O que mais me agrada em você é um dom de penetração quase jesuítico. Nunca vi ler tão bem nas entrelinhas. Já pegando a minha Paulicéia você soube com uma paciência que só mesmo as inteligências muito vivas têm descobrir o que era na realidade aquele livro como expressão psicológica dum autor. Agora com a Escrava ainda foi mais sutil. Percebe-se claramente que a motivação inicial foi puramente cultural, propondo e realizando aquele tipo de intercâmbio epistolar tão caro aos nossos modernistas, no qual a carta extrapola a sua missão primária de troca de informações e passa a ser uma espécie de “ágora de debates”, isto é, a carta se torna parte importante do outro lado da obra, o avesso do texto canonizado e publicado, passando a funcionar como um sintomático reverso não apenas da produção intelectual do artista, mas também da sua própria visão de mundo. Neste sentido, é interessante o que afirmou Gérard Gennete: Feita essa reserva, podemos utilizar – e é o que fazem os especialistas – a correspondência de um autor (em geral) como uma espécie de testemunho sobre a história de cada uma de suas obras: sobre sua gênese, sobre sua publicação, sobre a acolhida do público e da crítica e sobre a opinião do autor a seu respeito em todas as etapas dessa história. (GENNETE, 1987:316) Por isso é importante a opinião do destinatário, estabelecendo uma dialogia, sua resposta manterá e ajudará a conduzir o debate, sustentando opiniões e especulações, próprias da amizade. A este contato inicial de Mário, Alceu respondeu meses depois: Rio, 28 de setembro [1925]. Meu caro Mário de Andrade Estou em falta com você. Mas sei que você não repara. E sabe que a minha esquivança e a falta de pontualidade não exprimem desinteresse nem esquecimento. […] Se algum dia você romper por este Rio e quiser passar alguns momentos longe do tumulto cá de baixo, terei o maior prazer em conhecê-lo pessoalmente. E saberá então que o solene Tristão de Ataíde, gravíssimo Aristarco, que tanto o admira de longe, é o menos literato dos homens. Pela época – 1925 – Alceu, além de “gravíssimo Aristarco”, já era um crítico literário conhecido e respeitado, tendo iniciado sua carreira na Crítica em 1919, em O Jornal, importante periódico carioca conhecido pela qualidade das suas matérias e dos seus articulistas. Em epistolários como o de Mário e Alceu, as cartas são “pesadas”, expandindo ao máximo a tradução desta metáfora, já que se trata de dois correspondentes complexos, com grande formação intelectual e forte sensibilidade artística. Neste afã, um dos assuntos mais discutidos foi a natureza e a permanência do movimento modernista, como Mário declara, na mesma carta de 28 de maio de 1925: É verdade que essa historiada de modernismo já me caceteia[4]. Não é propriamente que eu hesite entre modernismo e antimodernismo, não, porém faz bem uns dois anos já que principiei a imaginar que a palavra tinha de servir, que a vida dum homem tem coisas muito mais importantes pra resolver que isso de mostrar si o paletó envergado é do último verão ou do próximo inverno[5]. A minha vida é muito bela e muito gostosa pra eu me preocupar de saber se o que escrevo é bem moderno ou não. Modernismo e antimodernismo são palavras que já não têm mais nenhum significado pra mim, juro que não sei mais o que elas querem dizer. Você cuja justeza e independência de pensamento eu respeito me diga se não tenho razão. E sabe também compreender que estas minhas convicções atuais não significam nenhuma deserção dos meus campos e

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Carnaval Carioca – A Complexa Biografia de Um Poema

Leandro Garcia Rodrigues[1] Diretor do Centro Dom Vital   RESUMO: Este ensaio tem o objetivo de apresentar dados e fatos para uma melhor compreensão do poema Carnaval Carioca, escrito por Mário de Andrade e publicado no seu livro Clã do Jabuti. Para tal análise, faremos uso de fragmentos epistolares de algumas cartas de Mário a Manuel Bandeira e a Alceu Amoroso Lima. Sobre este último, também utilizaremos aspectos da sua biografia cultural e da sua ideologia religiosa, profundamente marcada pela conversão ao Catolicismo, ocorrida em 1928. PALAVRAS-CHAVE: Mário de Andrade; Epistolografia; Alceu Amoroso Lima. ABSTRACT: This paper wants to show some facts for a better comprehension of the poem “Carnaval Carioca” (by Mário de Andrade), published in his book Clã do Jabuti. In order to analyze it, we will use some epistolary fragments of letters sent by Mário de Andrade to Manuel Bandeira and Alceu Amoroso Lima. About this last author, we will also make use of some aspects of his cultural biography, as well as his religious ideology, deeply targeted by his conversion to the Catholicism, happened in 1928. KEYWORDS: Mário de Andrade; Epistolography; Alceu Amoroso Lima. 1. Introdução Mário de Andrade merece todos os epítetos que costumeiramente o classificam: polígrafo, crítico, artista plural, poeta arlequinal, correspondente contumaz e outros tantos. De toda a sua ambivalência criadora e criativa, chama atenção o seu “gigantismo epistolar”, como ele mesmo declarou a Carlos Drummond de Andrade. Pouco antes da sua morte, Mário escreveu uma espécie de “carta-testamento” ao seu irmão Carlos Augusto de Andrade, determinando que sua correspondência só fosse aberta e publicada cinqüenta anos após a sua morte, isto é, em 1995. Como se sabe, já nos anos 50 (em 1958), Manuel Bandeira publicou as cartas que ele recebera de Mário ao longo de mais de vinte anos de amizade epistolar, se bem que o poeta da Pasárgada censurou inúmeros fragmentos e nomes de pessoas ainda vivas naquele momento, limitação esta resolvida por Marcos Antônio de Moraes no ano 2000, quando organizou, criticou e publicou a correspondência recíproca entre Mário e Bandeira, sem qualquer tipo de censura. Mas antes desta edição, inúmeras cartas de Mário foram publicadas: à Anita Malfatti, Murilo Miranda, Prudente de Moraes Neto e inúmeros outros. Dentre os diversos textos que vieram à lume, destaco as cartas de Mário a Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Ataíde, objeto deste ensaio. Num primeiro momento, meu objetivo é narrar a “trajetória” das cartas de Mário a Alceu, (con)fundindo as mesmas à forte amizade que uniu esses dois intelectuais que tanto ajudaram a pensar o nosso Modernismo. Posteriormente, demonstrarei como Mário utilizou o texto epistolar para teorizar e analisar o seu poema Carnaval Carioca, principal objeto de análise desta coletânea de ensaios. Neste sentido, darei maior ênfase ao debate sobre religião travado entre Mário e Alceu, no qual encontramos algumas referências sobre o Carnaval Carioca. Entretanto, não utilizaremos apenas fragmentos das cartas de Mário a Alceu, também se faz necessário buscarmos a correspondência do poeta paulista com Manuel Bandeira, na qual ele também fornece preciosas informações sobre a gênese deste mesmo poema. Desta forma, espero contribuir um pouco para a compreensão deste longo e inquietante poema – o Carnaval Carioca – tão belo e tão pouco lido/compreendido nos nossos dias. 2. A Biografia de Uma Amizade Epistolar Alceu Amoroso Lima iniciou na Crítica Literária em 1919, nas páginas de O Jornal, importante veículo impresso da antiga capital federal. Muito influenciado pelos escritores franceses, o que era normal numa época pós-Belle Époque, Alceu desde cedo cultivou o interesse pela pesquisa das mais diferentes manifestações da Arte e do pensamento. Tal fato ele nunca deixou de relembrar nas suas memórias, relegando a sua “virada modernista” aos diversos contatos que teve ao longo das diversas viagens à Europa, especialmente Paris. Vale lembrar os cursos que fez com Bérgson, a leitura de Peguy e o contato com Chaterston, tudo graças à atuação e intervenção do grande amigo da sua família – Graça Aranha. Desta forma, Alceu se envereda pela Crítica Literária na esteira canônica de José Veríssimo, Agripino Grieco e Sílvio Romero (seu ex-professor). Via a Crítica como uma atividade nobre, independente, uma espécie de “co-criação” paralela àquela do próprio autor. Num primeiro momento, não foi amigável às vanguardas artísticas que vinham da Europa, todas pulverizadas de ideais destrutivos quanto às diferentes representações artísticas. Alceu não participou do movimento que culminou na Semana de 22, em São Paulo, tampouco refletiu-o nas páginas críticas de O Jornal, apenas uma ou outra referência, mas nada realmente substancial, pelo menos nos meses imediatamente após a Semana. Os ecos da rebeldia paulista não chegavam com muito entusiasmo ao Rio de Janeiro, com exceção talvez de Prudente de Moraes Neto e Manuel Bandeira, isto sem dizer da sanha divulgadora e o marketing de Sérgio Buarque de Hollanda, que circulava pelas livrarias do Rio vendendo e distribuindo escassos exemplares da revista Klaxon. Alceu, como o próprio ambiente cultural do Rio de Janeiro, não considerava interessante a proposta de “destruição” da Tradição pregada pelas vanguardas mais radicais, como o Dadaísmo e o Futurismo. Daí podermos compreender a sua forte reserva em relação à obra e à persona de Oswald de Andrade que, para o crítico, era quem melhor encarnava os critérios das Vanguardas européias. Para ilustrar tal “binômio modernista”, o próprio Alceu esclareceu: Essa dupla de Andrades, sem nenhum parentesco entre si, me parecia ser a própria expressão das duas faces da nova escola. Sem negar o valor intrínseco de cada um e sem querer excluir um pelo outro, Mário me parecia ser o lado construtivo do modernismo. Oswald, o seu aspecto demolidor, agitado e agressivo. Este chegara ao modernismo através da sátira, do espírito irreverente e visceralmente revolucionário, de tudo enfim que o torna hoje muito mais influente e expressivo para as novas gerações do fim do século XX, do que Mário. Este fora ao modernismo depois de um catolicismo convicto. De uma grande curiosidade intelectual. De uma procura da verdade com seriedade e esforço. Dois temperamentos tão opostos,

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As Intrigas no Modernismo Brasileiro – Relatos Epistolares e Vida Literária

Leandro Garcia Rodrigues[1] Diretor do Centro Dom Vital Quando lemos sobre o Modernismo brasileiro nos manuais tradicionais de historiografia literária, temos a impressão de um certo pacifismo e um desejo mútuo de construção deste movimento artístico-literário. Estamos enganados. Percebemos que o movimento foi construído aos poucos entre as muitas divisões ideológicas, chegando mesmo na criação de vários grupos com tendências e “mentores” próprios. Nem sempre as relações entre esses diferentes grupos eram pacíficas, daí surgirem inúmeras intrigas entre os mesmos que nos permitem uma interessante visão dos relacionamentos entre os modernistas. Neste sentido, o epistolário de Mário de Andrade e Manuel Bandeira é um bom depositário dessas intrigas, os dois amigos tinham uma total confiança recíproca que os permitia serem demasiadamente sinceros um com o outro, é quando acompanhamos os vários desentendimentos vividos por aquela geração. As cartas trocadas são testemunhas dessas tensas relações, tanto que o próprio Mário de Andrade, na sua crônica “Amadeu Amaral”, reconhece o valor das intrigas que elas narram: Eu sempre afirmo que a literatura brasileira só principiou escrevendo realmente cartas, com o movimento modernista. Antes, com alguma rara exceção, os escritores brasileiros só faziam “estilo epistolar”, oh primores de estilo! Mas cartas com assunto, falando mal dos outros, xingando, contando coisas, dizendo palavrões, discutindo problemas estéticos e sociais, cartas de pijama, onde as vidas se vivem sem mandar respeitos à excelentíssima esposa do próximo nem descrever crepúsculos, sem dançar minuetos sobre eleições acadêmicas e doenças do fígado: só mesmo com o modernismo se tornaram uma forma espiritual de vida em nossa literatura. (ANDRADE, 2002, p. 136 – grifo nosso) Desta forma, as brigas entre eles adquirem, sob um olhar crítico e atento, uma singular importância dentro da configuração do movimento. 1. Rio de Janeiro: um Palco de Rivalidades É antiga a rivalidade entre cariocas e paulistas em vários aspectos da convivência: esporte, música, política, produção cultural etc. As cartas entre Mário e Bandeira retratam bem essas dualidades. Numa delas Mário fala desse afastamento: “Sensibilizou-nos teu interesse. Foste o primeiro dos amigos do Rio a nos demonstrar alguma simpatia. Por que esse afastamento? Será possível que em literatura se perpetuem as rivalidades de futebol? Manuel Bandeira, obrigado.” (ANDRADE, 2002, p. [2] O ano desta carta é 1922, é a primeira que Mário escreve a Manuel Bandeira e os mesmos só estavam há quatro meses passados da Semana de Arte Moderna, ocorrida em fevereiro daquele mesmo ano. Bandeira recebe um exemplar da revista Klaxon enviado por Mário e demonstra um grande interesse, mostrando-se entusiasmado em divulgá-la no Rio de Janeiro; é quando Mário se mostra um tanto surpreso com a disposição de Bandeira. Este, quando recebe a carta do amigo paulista tenta anular qualquer aparente indiferença dos cariocas: Não creia que haja por cá afastamento, indiferentismo pelos artistas de São Paulo. Ao contrário, desde que eles aparecem são prezados e queridos. Haja vista você, inédito e já de reputação feita aqui. O que há é uma dispersão formidável de metrópole. Não há aqui esse aconchego que permite a província. Já vivi em São Paulo onde cursei o 1º ano da Escola Politécnica (ia estudar arquitetura)[3] e posso dizer: São Paulo é uma coisa e o Rio é uma mistura de coisas onde também a coisa paulista entra. (ANDRADE, 2002, p. 65) É interessante notar que em algumas de suas cartas, Bandeira apresenta o meio cultural da então capital federal como um eterno palco de brigas entre muitos, no qual conviviam entusiastas e algozes do Modernismo. Em 1925, o jornal carioca A Noite promoveu o Mês Futurista[4], com vários artigos diários sobre o Modernismo, chamado por muitos de Futurismo. Bandeira foi convidado por Viriato Correa, então redator-chefe, para fazer parte do grupo que colaboraria com trabalhos em defesa do Modernismo, é quando Bandeira questiona um tanto cético: Prudentico[5] me transmitiu o convite para colaborar no mês futurista da Noite. Fiquei assim sem saber se posso fazer coisa que preste. De que é que se tem de falar? De modernismos ou de toda coisa sabível? Não vão apresentar a gente como bicho ensinado, não? Esse Viriato detesta modernismos, incluindo na rubrica futurismo até a ausência de rima. Se a Noite vai fazer esse mês, será unicamente por ordem do Geraldo Rocha[6], influenciado pelo Oswald, pois todos os redatores do jornal são adversários do nosso grupo. Não farão sacanagem? (ANDRADE, 2002, p.255) O aparente medo de Bandeira é justificado, já que naquele momento o movimento ainda não estava totalmente consolidado, sendo construído com erros, acertos e dúvidas. Tais intrigas não se realizavam somente no meio literário, estavam presentes no meio artístico como um todo. Manuel Bandeira tinha vários amigos músicos, embora ele sempre afirmasse que não tinha muito conhecimento de teoria musical; frequentava as casas de Villa-Lobos[7], Germana Bittencourt[8], Jayme Ovalle[9] e outros tantos. Um desentendimento sério entre esses três músicos fez Bandeira escrever uma longa carta a Mário relatando o que ocorrera: Nunca mais voltei à casa do Villa. Houve umas cenas muito desagradáveis entre o Villa e a Germana. Duas vezes: da 1ª não houve rompimento. Germana me procurou pra aconselhar-se. A história foi assim: a G. estava ensaiando o Caboclinho do Ovalle com a Lucília[10] e o Villa. Em certo pedaço a G. diz: “Isso é bem o Ovalle!” O Villa protestou dizendo que aquele ritmo já estava no Noneto, que a coisa toda aliás não tinha nenhuma originalidade e revelava uma porção de influências – Debussy, Fauré, René, Baton. Germana queimou-se e respondeu. Palavra puxa palavra, o V. acabou esbravejando “Que não queria mistura e que se G. incluísse as músicas do O. no programa, ele retiraria as dele”. […] Aconselhei a G. fazer tudo pra não brigar; aconselhei que nada contasse a ninguém e sobretudo ao Ovalle; mostrei o mal que adviria pra ela, pro V., pro 0., pra mim, pra todo o mundo se ela ou o Villa tomassem o pião na unha. […] Pois faz uma semana G. telefona toda afobada dizendo ter brigado naquele momento com o Ovalle e vinha

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A Semana de 22 e a Imprensa Carioca: Impasses, Silêncios e Incompreensões

Leandro Garcia Rodrigues[1] Diretor do Centro Dom Vital Neste ano de 2012, comemoramos nove décadas da explosiva Semana de Arte Moderna, ocorrida em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo. Neste sentido, algumas revisões históricas e culturais têm sido feitas, levantando novidades e problemas sobre aquele famoso evento cultural. Uma questão ainda pouco explorada diz respeito à participação do Rio de Janeiro, então capital federal, no bate-boca modernista. Podemos dizer que o Rio ignorou – ou mesmo desdenhou – aquela que também é conhecida como Semana Futurista. Tal fato pode parecer estranho, mas é plenamente compreensível. Primeiramente, falemos dos eternos clichês que dizem respeito a uma certa rivalidade entre Rio e São Paulo, o que ainda hoje provocam debates acalorados e sem sentido. Foi o movimento Verde-amarelo, braço conservador do modernismo paulista pós Semana de 22 que, de forma mais contundente e organizada, desqualificou intelectualmente o Rio de Janeiro. Através de artigos, charges, caricaturas, editoriais e entrevistas dos seus principais mentores – Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo e Plínio Salgado – temas como a malandragem carioca e uma certa “ausência de seriedade” do Rio de Janeiro eram sempre colocados em discussão (ou em deboche). Mas não apenas os verdeamarelistas, outros intelectuais e artistas das mais diferentes linhas ideológicas também alimentaram esta disputa. Numa carta a Manuel Bandeira, em 18 de abril de 1924, Mário de Andrade percebeu tal situação e afirmou: “O que são as vaidades, meu Deus! Essa gente do Rio nunca perdoará a São Paulo ter tocado o sino. Não falo de você. Você já não é do Rio. Você já é como eu: do Brasil.” (MORAES, 2000, pp. 201-202). De temperamento mais conciliador, Manuel Bandeira tenta amenizar e responde, quatro dias depois, tentando dissuadir o ceticismo do autor de Macunaíma: Não creia que haja por cá afastamento, indiferentismo pelos artistas de São Paulo. Ao contrário, desde que eles aparecem são prezados e queridos. Haja vista você, inédito e já de reputação feita aqui. O que há é uma dispersão formidável de metrópole. Não há aqui esse aconchego que permite a província. Por isso mesmo reputo São Paulo um ambiente excepcionalmente propício à cultura: perto do Rio e fora do Rio. Não pertencendo nem à Liga Metropolitana nem à Associação Paulista, estou , como pernambucano qualificado para referir… Já vivi em São Paulo onde cursei o 1º ano da Escola Politécnica (ia estudar arquitetura) e posso dizer: São Paulo é uma coisa e o Rio é uma mistura de coisas onde também a coisa paulista entra. (MORAES, 2000, p. 66) Em contrapartida, muitos artistas cariocas viam no paulista a simbologia da seriedade exagerada, a falta de amor e humor na expressão da arte e do pensamento. Ou seja, a dicotomia estava feita e as brigas eram cheias de calor, farpas e venenos, era o Rio dionisíaco provocando a São Paulo apolínea. Naquele momento, era impossível desconectar a noção de modernidade da ideia de Nação, de construção de um projeto nacionalista que incluísse o Brasil “no concerto geral das Nações”, usando as palavras de Mário de Andrade. Entretanto, as vias para se conceber a Nação eram bem diferentes: fosse o projeto megalomaníaco de Pereira Passos em transformar o Rio numa “petit Paris” curtindo a Belle Époque dos trópicos, fosse no projeto vanguardista de revitalização capitalista e industrial de São Paulo. Ainda sobre uma suposta dificuldade carioca para as “coisas sérias”, é sintomático o que afirma Mônica Velloso no seu livro O Modernismo no Rio de Janeiro: Afirmava-se a incapacidade do Rio para exercer o papel de capital da República. Os motivos dessa incapacidade eram variados: climáticos (os trópicos seriam prejudiciais à ordem política, intelectual e cultural), econômicos (cultura do esbanjamento e da desordem) e culturais (samba, praia e carnaval). Segundo a ideologia do grupo Verde-amarelo, o impedimento para o exercício da hegemonia nacional seria, em suma, de ordem geográfica. No litoral (Rio), ao contrário do interior (São Paulo), haveria uma profunda dispersão das energias produtivas. Em decorrência, verifica-se a falta de espírito empreendedor e de tino administrativo e a incapacidade para o comando e a liderança. (VELLOSO, 1996, p.13) Tais argumentos são antigos e provocaram, ao longo do tempo, inúmeros preconceitos culturais e dificuldades de identidade. Sem querer alimentar qualquer revanchismo histórico entre as duas cidades, o fato é que esta disputa colaborou – dentre outros fatores – para os recíprocos silêncios entre esses dois centros culturais, especialmente no silêncio carioca em relação à Semana paulista. A imprensa carioca dos anos 20 era bem diversificada, contando com grandes jornais de circulação diária, com destaque para O Paiz, Gazeta de Notícias, Jornal do Brasil, Jornal do Commércio, Correio da Manhã, O Jornal, O Imparcial, A Manhã e outros de menor porte, mas com considerável circulação nas camadas mais populares. Isto sem dizer das revistas, especialmente O Malho, Mercúrio, Revista Ilustrada, A Cigarra (com maior circulação em São Paulo), Fon-Fon, Dom Quixote, Para Todos, Careta, A Lanterna, Tagarela e outras tantas marcadas pela efemeridade das edições. Sintomaticamente, apenas a revista Para Todos, de aspecto bem popular nos anos 20, publicou um pequeno artigo na edição número 166, de 18/02/1922, comentando alguns aspectos da Semana de Arte Moderna, ocorrida nas noites de 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922. Por ser o único texto que fez referência à Semana, opto por utilizá-lo integralmente neste ensaio. Ei-lo: Semana de Arte Moderna Teve início, segunda-feira, em São Paulo, a “Semana de Arte Moderna”, bela idéia de Graça Aranha que encontrou, para realizá-la, o patrocínio dos nomes mais eminentes da cultura do Estado exemplar. A “Semana de Arte Moderna” consta de uma exposição permanente de pintura, escultura e arquitetura; de concertos de música de câmara, leitura de poemas e páginas literárias e de várias conferências sobre a nova orientação do espírito brasileiro. Graça Aranha disse da emoção na Arte Moderna; Ronald de Carvalho das últimas tendências da Arte, a propósito das expostas e da música de Villa-Lobos; e Renato de Almeida falou sobre a Filosofia Moderna no Brasil. A Semana é

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A Correspondência de Carlos Drummond de Andrade e Alceu Amoroso Lima

Leandro Garcia Rodrigues[1] Diretor do Centro Dom Vital Nos últimos anos, temos percebido uma enorme quantidade de publicações e pesquisas envolvendo a Epistolografia, quase nos forçando a pensar numa nova área dentro dos Estudos Literários: a Crítica Epistolográfica. Nomes ou categorias à parte, a verdade é que os estudos sobre correspondências vêm ganhando forte e decisivo fôlego no mundo acadêmico brasileiro. Neste sentido, trago à lume a correspondência trocada por Carlos Drummond de Andrade e Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Athayde. Trata-se de um importante e sintomático epistolário produzido ao longo de cinquenta e quatro anos, entre 1929 e 1983, ano da morte de Alceu. O início desta amizade não foi de forma pessoal, ao vivo, frente à frente um do outro, mas à distância, conhecendo-se ambos apenas pela imprensa, pela publicação de obras e pela interseção de amigos em comum, especialmente Mário de Andrade, correspondente assíduo tanto de Drummond quanto de Alceu. Tal fato – a amizade puramente epistolar – era comum nesta geração, pouco se encontravam mas, na distância física, mantinham verdadeiras redes de contato e convivência. Desta forma, a carta era uma espécie de “ágora” de debates e formulação de pensamentos, estilos e opiniões, exteriorização de paixões, desabafo de sentimentos e até mesmo construção de certas ficções. É o próprio Alceu que reconhece e até reclama – a Drummond – do seu imenso apreço pelas cartas: Mas V. é um mau correspondente. Não envia cartas. Tenho de resignar-me a continuar no escuro. Eu sou o contrário. Sem ter tempo de escrever, escrevo demais e escrevo pelo prazer de receber a resposta. E pelo amor à correspondência, essa forma literária que hoje em dia me satisfaz. (Carta a Drummond, 1/2/1929) Aqui se revela um forte diferencial daquela geração de Alceu e Drummond: a correspondência como oportunidade ímpar para construção de conhecimentos, para formulação de ideias e teorias, como tão bem ficou demonstrado na organização da correspondência entre Mário de Andrade e Manuel Bandeira, feita por Marcos Antônio Moraes e publicada em 2000, pela Edusp. Tal opinião, também é defendida por Júlio Castañon Guimarães, para quem A carta perde a formalidade que se encontra até essa época; torna-se efetivamente troca de ideias, informações, como substituto efetivo da conversa. Sem dúvida, esta modificação propicia um maior desembaraço, de modo que, para além das questões literárias, a carta será também espaço de manifestações pessoais, de informações privadas de pessoas envolvidas na vida literária. (Guimarães, 2004, p.24) Desta forma, esta correspondência também serve para iluminar e mostrar as particularidades do próprio movimento modernista brasileiro, através dos filtros de Alceu e Drummond, elucidando suas lacunas, conquistas, limitações, autores, obras, avanços e retrocessos. São “cartas pensadas”, usando a expressão de Mário de Andrade. E digo mais: são cartas semânticas e cheias de múltiplas possibilidades interpretativas e agentes de transformação do cânone da nossa própria história literária. Entre o palco e os bastidores, a correspondência vai preenchendo diferentes lacunas da nossa vida literária, possibilitando a compreensão de estilos e intenções, obras e os caminhos de criação, bem como ajuda na decifração de inúmeras problemáticas biográficas e pessoais que envolvem o universo pessoal dos artistas. Neste sentido, um aspecto fundamental na correspondência entre Carlos Drummond de Andrade e Alceu Amoroso Lima diz respeito à questão religiosa, assunto este tão forte e profundamente ligado à vida de ambos, ora por afirmação (Alceu), ora por negação e/ou ceticismo (Drummond). É o que passo a analisar. Os (des)encontros com Deus A chamada questão religiosa foi bem complexa nas primeiras décadas modernistas, tendo as mais diferentes ressonâncias na vida e na obra de determinados escritores, bem como nas políticas públicas, especialmente na educação e na cultura. Escritores como Lúcio Cardoso, Cornélio Penna, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Augusto Frederico Schmidt, Mário de Andrade, Alcântara Machado e próprio Drummond foram, de uma forma ou de outra, intersectados pelos debates e pelas dúvidas de natureza essencialmente ontológico-religiosa. Para alguns, Deus passou de hipótese à certeza – caso de Alceu. Para outros – incluindo Drummond – Deus deixou de ser uma verdade e migrou para a possibilidade (em alguns momentos beirando a negação em si). Alceu e Drummond acompanharam a reorganização da Igreja Católica no Brasil, no sentido ideológico, pastoral e doutrinal, movimento este conhecido – genericamente – como Ação Católica Brasileira. Com a proclamação da República e a consequente separação entre Igreja e Estado, o Catolicismo brasileiro perdeu relativas forças de atuação, especialmente nos âmbitos cultural e político. Neste sentido, foi durante a década de 20, mais precisamente no governo do presidente Arthur Bernardes (1922-1926), que teve início a reorganização da estrutura católica brasileira através da Ação Católica. Para tal, foi fundamental o papel exercido pelo então arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Sebastião Leme (1882-1942). que arregimentou a intelectualidade católica a mover-se, a expressar-se, deu apoio incondicional a Jackson de Figueiredo, exemplo de escritor comprometido com a doutrina da Igreja. A partir de Arthur Bernardes, outros presidentes também solicitaram a colaboração da Igreja para conter a onda revolucionária que se espalhava em diversos setores da sociedade, principalmente na Educação. Como exemplo deste clima de reconciliação e ajuda mútua entre a Igreja e o Estado, recorro à correspondência que Francisco Campos manteve com Getúlio Vargas, nesta carta de 18/4/1931, explicando-lhe os detalhes técnicos sobre o ensino religioso católico nas escolas públicas, bem como advertindo-o positivamente acerca da importância de se “agradar” a Igreja: Meu caro presidente. Afetuosa visita. Envio-lhe o decreto junto, que submeto ao seu exame e aprovação. Como verá, o decreto não estabelece a obrigatoriedade do ensino religioso, que será facultativo para os alunos, na conformidade da vontade dos pais ou tutores. […] O decreto institui, portanto, o ensino religioso facultativo, não fazendo violência à consciência de ninguém, nem violando, assim, o princípio de neutralidade do Estado em matéria de crenças religiosas. […] Neste instante de tamanhas dificuldades, em que é absolutamente indispensável recorrer ao concurso de todas as forças materiais e morais, o decreto, se aprovado por V. Excia., determinará a mobilização de toda a Igreja Católica

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Continuamos aqui!

Roberto Sobral Pinto Diretor do Centro Dom Vital ESTAMOS AQUI! escreveu Jackson de Figueiredo em julho de 1923 ao comemorar o segundo aniversário de circulação da revista A ORDEM. Era uma comemoração pela superação das dificuldades daquele grupo de jovens, que procurava seu espaço na sociedade brasileira da época, para colocar na rua mais um número do periódico. O tempo passou, o centro perdeu Jackson prematuramente em 1928, mas apesar do tranco, amadureceu e cresceu. Entretanto, não se renovou a ponto de manter o dinamismo diante da frenética evolução do século mais conturbado da história da humanidade. Agora, 85 anos depois, em tempos mais velozes ainda, novamente o Centro enfrentou outra perda igualmente prematura e significativa, com a repentina partida, em 2013, de seu Presidente Luiz Paulo Horta. Mas os que ficaram, confiantes e inspirados na ousadia dos pioneiros, foram buscar no seu passado as lições da história para acertar o passo. E aqui estamos, renovando, modernizando, fazendo a necessária transição da experiência dos antigos para o vigor dos que estão chegando e dispostos a continuar. Vamos em frente! como também dizia o fundador.

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Associação de leigos católicos, dedicada, desde 1922, à difusão da fé e à evangelização da cultura no Brasil: revista A Ordem, palestras, cursos, etc.